Muito se tem dito e escrito sobre o 25 de Novembro e os votos de saudação apresentados na Assembleia da República. A ânsia de alguns de recuperarem esta data é tal que até surgiram cartazes com a sua evocação. Se não fosse esta discussão, a maioria dos portugueses nem lhe atribuiria qualquer importância.

Admitindo as interpretações diversas sobre este acontecimento e que cada história pode ter, pelo menos, duas versões, faço parte daqueles que consideram que o 25 de Novembro de 1975 foi um golpe contra-revolucionário, com o objectivo de destruir as conquistas de Abril e nunca o momento da instauração da democracia.

Deve, por isso, ser recordado como aquilo que foi, sem floreados nem branqueamentos. Não deve ser saudado, mas objecto de reflexão para se saber qual o caminho que Portugal não deve fazer. “Mas tu não viveste nessa época!” É verdade. Nasci depois da Revolução dos Cravos e é com grande orgulho e sentido de responsabilidade que recebi esse legado e que o procuro transmitir.

O 25 de Abril é um dia de festa e de alegria, mas também, e sobretudo, de resistência e de luta. É uma lição que deve ser transmitida a todos os que eram muito jovens ou nem sequer tinham nascido.

Pôs fim a 48 anos de ditadura, à opressão, à miséria, a 13 anos de guerras coloniais contra povos que, também eles, lutavam pela sua liberdade e independência, e deu cor aos dias sombrios, em que a liberdade era uma palavra proibida. A PIDE vigiava, prendia e torturava. Assassinava. Muitos portugueses não sabiam ler nem escrever, a taxa de mortalidade era altíssima, muitas casas não tinham água canalizada ou electricidade, e as mulheres não tinham voz nem direitos.

Foi o resultado de décadas de resistência e luta do povo que, com os capitães de Abril, abriu portas a uma nova era e a avanços que acabaram plasmados na Constituição da República Portuguesa, uma das suas maiores heranças e um dos textos constitucionais mais progressistas do mundo, apesar dos sucessivos ataques.

Regra geral, quem quer comemorar o 25 de Novembro não lida bem com a Revolução dos Cravos. Nem sequer considera que foram complementares, como muitos dizem, quiçá para aligeirar o que representou. Tem sido bem visível quem está e quem não está com Abril. E depois há aqueles que parecem estar mais ou menos, optando por ficar em cima do muro, como se viu nas abstenções nos votos sobre esta matéria.

Estas duas datas não têm a mesma importância no calendário português e ainda bem. O 25 de Abril de 1974 será sempre uma data maior na História de Portugal e as suas conquistas estarão sempre presentes na memória colectiva. Não se trata de qualquer sentimento de propriedade. O 25 de Abril é de todos os que o queiram celebrar. “Seja bem-vindo quem vier por bem” já cantava o grande Zeca Afonso.

Quanto mais querem desvalorizar a Revolução, mais alto se levantarão os cravos. Precisamos das portas que Abril abriu bem abertas e não de alçapões para evocar tempos mais nebulosos. Que não se esvazie o 25 de Abril nem se mascare o 25 de Novembro. Que o passado e a História sirvam para continuar a sonhar e concretizar. É também disto que se faz a vida colectiva de um povo.

Não imponham ao país uma data que divide e que tem um simbolismo negativo. Serão saudades de outros tempos?

O 25 de Novembro que faz sentido assinalar é o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, cuja data a ONU elegeu em memória às três irmãs Mirabal, activistas políticas na República Dominicana assassinadas em 1960 pelo regime ditatorial de Rafael Trujillo.

É uma opinião e, como em tudo, há sempre vários lados. Felizmente, podemos opinar livremente e não é ao 25 de Novembro que o devemos. Obrigada 25 de Abril!

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.