Costuma afirmar-se que em equipa que ganha não se mexe. Não é esta a visão do Governo relativamente a um tema que deveria ser sagrado para qualquer executivo: o turismo. Este setor tem alavancado de forma significativa o crescimento económico nacional, e vive atualmente o momento mais alto no nosso país, com o número de turistas a crescer de dia para dia, com as receitas a aumentar expressivamente e com o número de postos de trabalho que são criados por esta indústria a ser responsável, em larga medida, pela considerável queda do desemprego.
Não sendo fácil encontrar atividades em que Portugal apresente claras vantagens competitivas, o turismo representa uma impressiva exceção, fruto de um conjunto de fatores difícil de resumir, mas que gira em torno da tradicional simpatia dos portugueses, de um clima favorável, de um património rico e diversificado, de uma excelente gastronomia, de boas infraestruturas, de recursos humanos crescentemente qualificados e de uma segurança cada vez mais valorizada pelos turistas.
Responsável pelo crescimento económico do turismo nacional e das diferentes atividades económicas que se encontram a montante e a jusante, como o comércio, a restauração e os transportes, tem também sido a crescente diversificação do alojamento que os turistas podem hoje encontrar no nosso país, capaz de ir ao encontro dos interesses de vários públicos, com orçamentos e gostos distintos.
Criada em 2008 (Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março) e juridicamente autonomizada em 2014 (Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto), a figura do alojamento local permitiu enquadrar uma série de realidades que ofereciam serviços de alojamento a turistas sem qualquer formalismo, disciplinando um fenómeno de enorme relevo no quadro do turismo internacional, amplificado pela publicitação e intermediação digital, e com uma forte relevância fiscal.
Num momento em que os portugueses estavam mergulhados numa gigantesca crise económico-financeira, o alojamento local permitiu que muitas famílias pudessem mitigar as dificuldades por que passavam, utilizando as suas habitações como forma de assegurar um rendimento complementar que atenuasse a crise que os assolava. Fizeram-no recorrendo ao tradicional espírito empreendedor dos portugueses e ao saber receber que tão bem caracteriza o nosso povo.
O que antes era uma forma de “desenrascanço” ganhou, progressivamente, um lugar de destaque na economia portuguesa, com o aparecimento de inúmeras empresas de gestão de alojamentos locais, com a dinamização do mercado imobiliário, com a reabilitação de muitos imóveis, com a criação de numerosos postos de trabalho. No ano passado, o alojamento local teve um impacto económico superior a mil milhões de euros em Portugal, com 35 mil alojamentos registados, a esmagadora maioria na modalidade apartamento (mais de 22 mil). Mais de 90% do alojamento local é efetuado por microproprietários, que investiram, num só ano, 27 milhões de euros em atividades de reabilitação de imóveis.
Claro que nem tudo são vantagens. As grandes cidades, com Lisboa à cabeça, viram o preço do imobiliário disparar, o arrendamento tradicional nos centros históricos praticamente desaparecer, com muitos condomínios a queixar-se do excessivo barulho feito pelos turistas e da pouca atenção que os mesmos dão à limpeza. Outros, falam de uma crescente descaracterização das principais zonas históricas, que veem os seus habitantes ser atirados para os subúrbios por não poderem suportar os preços praticados.
No entanto, se é imperativo que se equacionem medidas capazes de conjugar os interesses da população com os desejos dos turistas, assegurando uma maior qualidade de vida para todos aqueles que habitam imóveis onde existe alojamento local, não parece claramente que a melhor solução seja a de atirar as responsabilidades para cima dos condomínios, os quais deverão, segundo o recente projeto de lei do PS, ter uma palavra decisiva na autorização do alojamento local.
A proposta é nitidamente absurda.
Primeiro, porque penaliza os pequenos proprietários que recorrem ao alojamento como meio de complementar os seus rendimentos, sendo incapazes de contornar as reivindicações do condomínio onde se localizam os seus apartamentos, até porque não possuem, na esmagadora maioria dos casos, condições para oferecer contrapartidas que sejam aceites pelos outros condóminos.
Segundo, porque beneficia os grandes investidores, capazes de adquirir a totalidade ou a esmagadora maioria dos apartamentos de um imóvel, dominando, assim, o processo decisório.
Terceiro, porque não impede que os proprietários, com recurso à figura alternativa do arrendamento urbano de curta duração, possam contornar as exigências do condomínio, embora com o ónus de terem de suportar um violento imposto de selo sobre o contrato de arrendamento e da fiscalidade ser muito menos friendly. Na realidade, a grande diferença entre a figura do alojamento local e a do arrendamento de curta duração está ao nível fiscal, muito mais do que na prestação de serviços complementares ao alojamento, nomeadamente limpeza ou receção. Nada obsta, no regime jurídico atual, que um proprietário possa arrendar o seu apartamento para férias, sem que, para tal, tenha que obter autorização dos restantes condóminos. Perde na fiscalidade, ganha na autonomia.
Assim, o que o PS parece pretender é alijar o Governo das suas responsabilidades, atirando o ónus da decisão para cima dos condóminos, o que fará, em nosso entender, aumentar a litigância e a conflitualidade entre proprietários, reduzir o número de famílias que podem recorrer ao alojamento local como forma de complementar os seus rendimentos e coartar a possibilidade de muitos turistas beneficiarem de uma solução mais económica quando escolhem o nosso país para os seus momentos de lazer.
A mania do diálogo, que sempre foi apanágio dos socialistas, pode, neste caso, trazer resultados penalizadores para a economia portuguesa, para o emprego e para as famílias. Não decidir pode encerrar perigos. Decidir mal é sempre grave. Passar a decisão para os outros é um mau princípio a que nos vamos habituando.
É caso para dizer, se as coisas, obviamente com prós e contras, estão a correr bem, num setor vital como o turismo, porquê mudar? Vale aqui a máxima: não mexas que estragas.