Longe pareciam ir os tempos em que os estudantes do ensino superior reivindicavam, maciçamente, a abolição das propinas no ensino superior, enchendo as ruas com manifestações a contestar a não gratuitidade do sistema público universitário e politécnico.

Nos últimos meses, aquilo a que se assistia era uma forte contestação relativamente à dificuldade em encontrar residências estudantis ou quartos particulares a um preço razoável, sobretudo em Lisboa e no Porto, cidades onde a atração turística tornou os preços do arrendamento proibitivos para os estudantes com menores recursos que são colocados em instituições fora da sua área de residência.

No entanto, em ano de eleições, o Governo decidiu, erradamente, trazer de novo a questão das propinas para cima da mesa, quiçá para adocicar a boca do Bloco de Esquerda, sempre empenhado nestas questões aparentemente sociais, mas que, na prática, são contrárias aos interesses dos estudantes mais carenciados. Na realidade, em Portugal, um estudante do ensino superior público em formação inicial (licenciaturas e mestrados integrados) pagava até ao presente ano letivo uma propina que podia variar, por decisão de cada instituição de ensino superior, entre os €689 e €1.068, ou seja, entre €1,89 e €2,93 por dia.

Foi esta situação que o Governo socialista decidiu alterar no Orçamento do Estado para 2019, fixando o valor máximo das propinas no ensino superior público em €856, ou seja, baixando o valor da propina máxima em €212,00, ou seja, €0,58 por dia.

Será esta decisão socialmente justa? Obviamente que não. Uma das primeiras ideias que se transmite a todos os que se iniciam na ciência económica é a de que “não há almoços grátis”, no sentido de que para que possamos obter algo de que gostamos temos de prescindir de outra ou outras coisas que também nos agradariam.

A economia é uma ciência que se debruça sobre as escolhas que somos obrigados a fazer face à escassez dos recursos e à multiplicidade de necessidades que temos que satisfazer. Se alguém, individualmente, não paga para obter um bem ou um serviço ou paga menos do que pagava até aqui é porque outro ou outros, normalmente, a sociedade, suportam o custo desse bem ou serviço ou a redução do valor pago pelo cliente/utente.

É o que vai acontecer. Atualmente, estão inscritos no ensino superior público 308 mil estudantes. Destes, no ano letivo transato, 73.210 (65 mil dos quais frequentavam o ensino superior público) receberam uma bolsa de estudo atribuída pela Direção-Geral do ensino superior, a qual cobre, pelo menos, o valor da propina máxima. Como o valor médio da bolsa de estudo foi de €1.807, isto significa que o custo total para o auxílio dos estudantes mais carenciados foi de cerca de 132 milhões de euros, dos quais uma fatia significativa provém de fundos comunitários.

Estes estudantes mais pobres, curiosamente, são, agora, ignorados por um governo que se diz socialista, uma vez que o valor da sua bolsa se manterá praticamente inalterado, exceção feita para aqueles estudantes que, agora, deixarão de ter acesso a bolsa de estudo porque ultrapassarão o limiar de elegibilidade (que baixará em função da medida do Governo).

Em contrapartida, todas as instituições de ensino superior público que tinham uma propina superior a €856 veem as suas receitas próprias diminuir significativamente, devendo, assim, ser compensadas por transferências orçamentais.

Esta medida teria um custo, de acordo com as primeiras estimativas governamentais, de cerca de 50 milhões de euros, valor que está claramente sobredimensionado, uma vez que muitos estudantes frequentam instituições que já fixavam propinas abaixo dos €856 e outras ligeiramente acima deste valor, mas abaixo do valor máximo, ao passo que, como se referiu, o Governo não gastará nem um cêntimo a mais com bolsas de estudo. Assim, feitas as contas, a medida deverá ter um impacto de cerca de 25 milhões de euros no Orçamento do Estado.

E quem beneficiará, afinal, desta medida? Estranhamente, os estudantes menos carenciados. Na realidade, apesar do aparente carácter social de uma medida desta natureza, o certo é que ela, na prática, acaba por prejudicar as famílias mais carenciadas, uma vez que não pagando os estudantes a propina máxima, teremos que ser todos nós, através dos nossos impostos, a suportar este custo.

Ora, se considero mais do que justo que todos os estudantes carenciados possam frequentar gratuitamente o ensino superior, ainda que se adote um critério generoso na definição de carência económica, capaz de permitir a elegibilidade de mais estudantes, já me parece totalmente disparatado que sejam todos os contribuintes, mais ou menos endinheirados, a suportar a redução das propinas para os filhos das famílias ricas.

Significa isto que a redução do valor máximo das propinas implica o resultado pernicioso de todos terem que suportar os custos, quando seria possível adotar uma medida socialmente muito mais justa de conceder este benefício apenas aos estudantes pertencentes a famílias cuja capacidade contributiva ficasse aquém de um determinado limiar, aumentando o número de bolsas de estudo e o valor das mesmas.

A redução do valor da propina máxima é uma medida mais populista, mais eleitoralista, mas menos justa, podendo, no limite, significar que todos, mesmos os mais pobres, pagamos as propinas dos filhos das famílias mais ricas do nosso país, sabendo que são estas famílias que mais vagas ocupam no subsistema público de ensino superior.

Como os recursos do Estado são finitos e podem ter destinos muito diversificados, para satisfazer as inúmeras necessidades dos cidadãos, estranha-se as escolhas que um governo dito socialista vem fazendo. Como a redução das propinas, ainda que estas sobrecarregassem, essencialmente, os mais afortunados, os socialistas pretendem, por razões de simples marketing político, caçar o voto de milhares de estudantes e de famílias que têm os seus filhos a frequentar o ensino superior público.