Escrever um artigo de opinião tão próximo da segunda volta das eleições presidenciais em França não torna a minha escrita nada fácil (estas palavras foram escritas antes). Não que eu quisesse comentar os resultados daí advenientes. Afinal, para isso, já temos, no plano nacional, uma parafernália de “especialistas” cuja grande maioria pouco ou nada sabe sobre o sistema político francês ou a sociedade francesa, comentando sondagens cuja metodologia desconhecem, e resultados finais cujas causas estão por explicar.
Esses “especialistas”, alguns com mensagens emanadas das suas “bolas de cristal”, falham muitas vezes pela rapidez e, a meu ver, pela sua constante precipitação, a que os jornalistas não são alheios. Quando o falhanço não é geral, espera-se uma “conversa de café” mais ou menos institucionalizada, o que não pode ser a norma, mas tem sido, apesar do descrédito que enceta. Somos todos humanos, a velocidade das notícias implica soluções do género, mas devíamos abusar mais da precaução e menos das certezas absolutas.
Talvez pelas razões anteriores me repita e volte a falar na União Europeia (UE). Sim, não trago nada de novo, falo-vos do que todos já sabemos mas cuja sistematização, que eu não faço aqui na totalidade, merece ainda mais do nosso tempo e da nossa reflexão. Os desafios da UE são recorrentes e conhecidos, temos que os aceitar, como identicamente temos que incorporar a ideia de que não há soluções nem simples nem imediatas. Mais. Antes de avançarmos com as respostas desejadas temos que produzir análises mais consubstanciadas desses mesmos problemas, ainda que o seu tempo seja o da urgência.
Os últimos anos têm sido de muita coisa menos de acalmia. Apesar do cansativo que é ter que ler e reflectir sobre a “espuma dos dias” – quer o leitor que se quer manter informado sobre o que ocorre à sua volta, quer o cientista social –, estes tempos têm-nos presenteado com tantos acontecimentos estruturalmente relevantes que se torna difícil distinguir o fundamental do acessório, sendo que a situação de um país como a França não é de certeza acessória.
Mas recuemos no tempo e relembremos: a crise das dívidas soberanas abriu brechas onde se esperava uma sólida comunhão. Aliás, como não é de espantar, mas nem sempre de prever, quando faltou mais notoriamente o cimento económico na Europa as paredes começaram a causar problemas. O voto a favor do Brexit seria uma dessas partes visíveis de um problema maior: o descontentamento. Este engrandeceu-se, não raras vezes graças à crise migratória, a uma extrema-direita sempre à espera de entrar em acção, assim como uma certa extrema esquerda com laivos pouco democráticos, e foram gerados os últimos pós de perlimpimpim para o agudizar da situação.
Os problemas são internos, com os governos e os partidos a defenderem as suas “damas”, mas não só. Como se não bastasse este cenário de instabilidade constante, os EUA presenteiam-nos com resultados absurdos – como se tem visto pelos 100 primeiros dias da presidência de Donald Trump –, o questionamento de alguns dos membros da União Europeia sobre as suas instituições e o seu papel, e uma clara emergência geoestratégica (não nos faltava mais nada) como a que temos que ter com a Turquia de Erdoğan. Enfim, termino já com a descrição deste cenário de horror para os defensores de uma Europa unida em torno dos valores que a fizeram um território de paz, relativa sei bem – não conto com os conflitos nos Balcãs, por exemplo.
Tudo o que disse anteriormente faz-me ter um pensamento recorrente: a importância da percepção. Sabemos bem, nós, os cientistas sociais, que a avaliação das percepções por parte dos cidadãos é, por norma, uma ponte instável entre o que se diz, o que se interpreta, o que se ouve, aquilo em quem acreditamos, o que se faz e o que pensamos que os outros querem que digamos. Ainda assim, estas percepções dos cidadãos são relevantes para o projectar de um futuro da UE. E são-no porque a credibilidade das nossas instituições políticas, nacionais e europeias, está sob esse jugo, onde a “pós-verdade” coloca bombas-relógio que é importante não deixar despoletar. Não sou alarmista nem adivinho o futuro, mas precisamos, mais do que nunca, de quem tome decisões com rigor para a unidade possível na UE enquanto objectivo maior.
A autora escreve segundo a antiga ortografia.