Os últimos dias têm sido pródigos em acontecimentos que dizem respeito aos cidadãos e trabalhadores portugueses.
Por um lado, o senhor primeiro-ministro anunciou em sede de Concertação Social (sim, essa mesma, saída do rescaldo do pacto Partidos/MFA, que ignora os sindicatos independentes, a distribuição moderna, os sectores de tecnologias de informação, a fileira das obras públicas, entre outras) que uma melhor repartição dos rendimentos entre trabalho e capital é o seu objectivo e que os ganhos de produtividade devem ser repartidos entre os dois factores de produção de forma igual.
Por outro, semanas atrás, o senhor primeiro-ministro propôs um referencial superior a 3% para os aumentos salariais em sede de contratação colectiva.
O senhor primeiro-ministro sabe muito bem que Portugal, desde o início do milénio, se tornou muito mais desigual e que o capital (dividendos, rendas, juros, direitos vários, ‘royalties’, entre outros) se apropriou de mais de 80% dos ganhos de produtividade. E sabe também como nos estamos a aproximar de um padrão de distribuição de rendimentos pouco digno dos padrões europeus.
Entretanto, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) anunciou os maiores lucros desde 2007, com um rácio de custos operativos sobre os rendimentos de 47%, o que a coloca no pelotão da frente dos bancos europeus, e uma distribuição de 300M€ ao Estado, acima, muito acima, do previsto no Orçamento Geral do Estado (237M€).
Sim, a mesma CGD que foi vítima de um grupo, não de verdadeiros gestores, mas de comissários políticos do pior quilate, que a assolou nos primeiros anos do milénio, e que tem imposto penas pesadas às populações que se viram privadas de balcões de proximidade.
A mesma CGD que, tendo denunciado de forma despropositada, no Verão de 2018, o Acordo de Empresa, firmado de livre vontade com os sindicatos bem 2016, procura agora impor aos seus trabalhadores e aos sindicatos bancários um novo Acordo de Empresa, cujo espírito, quero acreditar, vai ao arrepio da vontade do senhor primeiro-ministro.
O Acordo de Empresa que a CGD quer agora impor vem alterar, de forma dramática, conceitos como prémio de antiguidade, anuidades e diuturnidades, entre outros. Deixando no ‘bolso’ da empresa mais de uma dezena de milhões de euros (a valores actualizados) que eram, e são, dos trabalhadores, face às propostas que apresentámos.
O mesmo Governo que afirma querer uma repartição mais equilibrada dos ganhos de produtividade, o que tem a dizer sobre isto?
Faz sentido tirar aos trabalhadores (e aos clientes) para remunerar, acima das suas próprias expectativas, o capital, ainda que o accionista seja o Estado?
Vale tudo na Caixa Geral de Depósitos? Vale fazer o contrário daquilo que foi propalado em Concertação Social? Vale denunciar, sem qualquer fundamentação económica razoável, um Acordo de Empresa, apenas e apenas só para tornar mais baratos os trabalhadores?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.