A primeira vez que tive idade para votar, votei no PSD. Foi nas legislativas de 6 de Outubro de 1991, quando tinha 19 anos.
Assumo portanto, como cidadão, a minha parte de responsabilidade pelos quatro anos da segunda maioria absoluta de Cavaco Silva.
Não tenho vergonha em admitir, mas, se me é permitida uma explicação, digo que nessa altura acreditava que estava a votar no partido de Sá Carneiro e não no partido de Cavaco Silva.
Ainda havia no Porto, entre a classe média do burgo, a ideia de que o PSD era um partido sério e liberal. Justo e transparente. Sentia que, com o meu voto, estava a contribuir para o avanço do País e partilhava a opinião da maioria da população portuguesa.
Contudo, recordo-me que, pouco depois das eleições, ao conversar com um militar sobre a situação política e lhe contei que tinha votado no PSD, ele sorriu com ar de gozo e sustentou que o meu voto havia sido “comprado”.
Explicou-me que muitos jovens que, como eu, nasceram em 1972, ficaram então livres do serviço militar obrigatório – recebi um papel a declarar “excesso de contingente” – e, devido a essa “benesse”, sentimos a necessidade de “agradecer” ao PSD de Cavaco Silva.
Garanti que não fora esse o meu caso e, se me tivessem chamado para o serviço militar, o que atrasaria a entrada na universidade, mesmo assim teria votado PSD, pois era essa a “tradição” familiar.
Aquela conversa, no entanto, ficou-me na mente. Daí lembrar-me dela ainda hoje. De facto, eu votara no partido de Sá Carneiro, mas reconheço que não ter ido à tropa me ajudou a reforçar a minha vontade no momento em que pela primeira vez coloquei a cruz no boletim de voto.
Não fui “comprado”, mas sei que acabei por ser “manipulado”. Nos anos seguintes, sobretudo com a revolta na Ponte 25 de Abril, em 1994, — que me recordo de ter assistido pela televisão quando estava a curar a ressaca da noite de S. João que passei numa quinta no Douro — dei comigo a pensar que o governo de Cavaco Silva, afinal, não estava a ajudar o País com o meu voto.
Não me apetecia voltar a votar no PSD de Cavaco Silva, mas queria continuar a votar no partido de Sá Carneiro. Quando Fernando Nogueira venceu o congresso do Coliseu, em 1995, pensei que o Porto iria voltar a ter um primeiro-ministro em Lisboa, mas Cavaco Silva desautorizou o novo líder social-democrata dias antes da ida às urnas devido a um desencontro de versões quanto à alegada candidatura presidencial do futuro ex-primeiro-ministro.
Foi assim que vi o PS de Guterres chegar ao poder. Quando o PSD, liderado por Durão Barroso, regressou ao governo em 2002 eu já sabia demasiado sobre a vida política.
Como sou um utópico, inscrevi-me em 2004 no PPM – o único partido da antiga AD que nunca mais regressou ao poder após a morte de Sá Carneiro – e cheguei mesmo a ser candidato ao Parlamento Europeu nas eleições de 2009.
Aprendi com essa experiência que no tempo do Estado Novo havia mais respeito pela democracia e pelo voto das pessoas. Salazar sabia que as eleições podiam levar a desfechos imprevisíveis, logo tentava limitar ao máximo o uso da democracia.
Por outro lado, os partidos que nos têm governando nos últimos 40 anos — PS, PSD e CDS — conseguiram ultrapassar aquilo que tanto preocupava o ditador. Os debates televisivos são entre eles, as notícias nos jornais são sobre eles, os representantes em debates televisivos são dos seus partidos, os grandes cartazes que geram polémica são os seus cartazes, as ideias deles são praticamente as mesmas (com algumas diferenças de estilos ou de contas, mas que, no fim, vão dar todas ao mesmo).
Nada vai mudar nas próximas eleições a não ser que os portugueses percebam que estão a ser “manipulados” e que a “tradição” de votar nos mesmos vai acabar por atrasar ainda mais o País.
Eu sei disso. Nasci em 1972 e fui “manipulado” por estes democratas na primeira vez em que fui votar.