O Governo anunciou recentemente duas metas, para atingir até 2026: aumento do peso dos salários no PIB, de 45% para 48%, que seria a média europeia; uma subida acumulada de 20%, em termos nominais, do salário médio.
É uma contradição nos termos, por um lado, pretender convergir com a União Europeia (UE) e, por outro, não apresentar um documento de trabalho, sério e detalhado, sobre as metas e os instrumentos para o conseguir, como é próprio dos países desenvolvidos. É impossível convergir com a média europeia sem convergir na qualidade institucional e, neste domínio, o Governo deveria dar o exemplo.
Em relação aos salários nominais, pode dizer-se, desde já, que o Banco Central Europeu (BCE) prevê uma subida acumulada dos preços de 17% neste período, um valor que bem pode ser revisto em alta, dado o comportamento recente da inflação. Ou seja, a meta corresponde quase a uma estagnação do poder de compra dos salários.
Em relação à outra meta, em vez de se focar no peso dos salários no PIB, deveria dar prioridade ao crescimento da produtividade por um conjunto alargado de razões.
Em primeiro lugar, porque esta é e vai continuar a ser o principal motor do crescimento do salário médio, durante muitas décadas, para lá de 2026. Entre 1995 e 2021, o salário médio subiu 113,8% em termos nominais, enquanto a produtividade subiu 116,5%, também em termos nominais, ou seja, o aumento dos salários foi 98% do aumento da produtividade. Em termos reais, o valor é apenas ligeiramente mais baixo: 95%.
Em segundo lugar, porque há muito mais caminho a fazer na produtividade. De acordo com os números do Governo, o peso dos salários em Portugal representa 94,4% da média europeia, mas, em 2021, já era 96% daquela referência, depois de a ter ultrapassado fugazmente no ano excepcional de 2020. No entanto, a produtividade portuguesa é apenas 64% da média da UE, tendo-se degradado face a 1995, quando era de 69%.
Em terceiro lugar, porque os instrumentos para aumentar a produtividade são muito mais evidentes. São há muito conhecidas as três áreas básicas onde actuar para promover o crescimento da produtividade: progresso tecnológico; educação e formação profissional; investimento qualificante. Para cada uma delas, há muitas medidas concretas propostas – e reiteradamente ignoradas. Não são evidentes nem conhecidos (o Governo também não os elencou) os instrumentos para aumentar o peso dos salários no PIB.
Finalmente, há que falar da fiscalidade, que é decisiva. Para as famílias, mais importante do que a evolução do peso dos salários brutos é o peso dos salários líquidos de impostos. Entre 2000 e 2021, em Portugal, a carga fiscal sobre o trabalho subiu de 37,3% para 41,8%, tendo passado para o 10º lugar da OCDE, quando aí a tendência foi de redução, de 36,2% para 34,6%. Neste caso, o instrumento é óbvio, a fiscalidade sobre o trabalho, e está directamente dependente do Executivo.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.