Sempre que voltamos ao tema do declínio da natalidade, as duas sugestões mais comuns para a sua resolução são: (1) a criação de incentivos económicos às famílias e (2) o recurso à imigração. Porém, a espiral de envelhecimento que se avoluma no nosso país, há pelo menos quatro décadas, não se resolve à pressa, nem inventando atribuição de prémios de bom comportamento, com escasso impacto na redução dos custos de oportunidade da parentalidade, nem improvisando uma torrente de imigração.
Ao seguir esta última opção, os governos tentam integrar pessoas que trazem consigo mentalidades e comportamento distintos, inclusive a nível reprodutivo, pelo que não há qualquer mérito político em revigorar a taxa de natalidade nacional de forma abrupta e imponderada. Ao gerarem cidadãos à pressa – para satisfazerem metas orçamentais e porem as engrenagens económicas a funcionar, qual uma empresa que busca mão-de-obra barata num país menos desenvolvido, mantêm a população nativa presa nas dificuldades estruturais e nos vários dilemas que desincentivam a reprodução nessa dada sociedade.
E se à imigração somarmos a proposta política de atribuição de benefícios meramente financeiros às famílias com mais filhos, estaremos possivelmente a canalizar recursos para pessoas que procriariam mesmo sem tais benefícios estatais.
Acomodados com a extinção?
É nas sociedades mais industrializadas e competitivas que as taxas de natalidade são mais baixas. Em quase todos os países da OCDE, as taxas situam-se em níveis muito abaixo dos 2,1 filhos por mulher necessários à reposição geracional. Em 1970, a taxa de natalidade média na UE (a 27) era de 2,37 e em 2019 tinha descido para apenas 1,52 (OECD Family Database). Sobressai a excepção de Israel, com um valor que tem rondado de forma estável a taxa de 3 filhos por mulher.
Em todos os países que sofrem com o declínio demográfico identificamos como elementos comuns a competição económica e a plena integração da mulher no mercado laboral. Este modelo socioeconómico assenta num investimento massivo na educação e na formação com vista a garantir estatuto e conforto – o que exige o adiamento da maternidade em prol de mais estudos e especialização feminina no mercado laboral e, para além disso, aumenta drasticamente o custo da educação de cada filho.
Ao longo de milhares de anos, mulheres e homens descobriram formas de potenciar o sucesso reprodutivo, equilibrando o investimento em cada gravidez com a criação saudável dos filhos já nascidos. Para obterem êxito nesta missão, procuravam manter uma relação de altruísmo recíproco, valorizando garantias de segurança, subsistência e fidelidade, inclusive através do compromisso monogâmico que protegia o investimento de ambas as partes, e ainda através da especialização funcional.
Já Alexis de Tocqueville, no século XIX, num dos seus elogios às particularidades da sociedade dos EUA, notava que, quanto à relação entre homens e mulheres, “os americanos aplicaram aos dois sexos o grande princípio da economia política que domina a indústria dos nossos dias. Separaram cuidadosamente as funções de cada um, de forma a que o grande trabalho social ficasse mais bem feito” (Tocqueville, “Da Democracia na América”, Princípia 2007, p. 724).
A Era Moderna trouxe novos factores de incerteza. Os contratos e os investimentos tendem a ser temporários e flexíveis – tudo é pensado para ser ágil. A conjugalidade já não é regida pelas confiança baseada em interacções repetidas e pelo conhecimento aperfeiçoado ao longo do tempo entre os agentes, mas antes pela possibilidade de dissolução.
Na nova organização económica, num modelo dual de rendimento familiar, a mulher não depende do marido e trabalha todos os dias para pagar a quem cuide dos seus filhos – de forma geralmente mais imperfeita e insatisfatória do que seria expectável de cuidados prestados pela própria mãe. Aqui, o custo de oportunidade da maternidade é mais elevado, mesmo que existam serviços e apoios generosos à infância, pois a mulher percepciona menos vantagem em arriscar uma nova gravidez perante as exigências do mercado laboral e considerando as rotinas de contacto intermitente com o filho(s).
Mesmo se pensarmos na opção de favorecer o emprego em regime parcial como medida natalista, convém notar que todos os países da OCDE em que essa opção tem sido estatisticamente relevante – por exemplo, Austrália, Alemanha, Bélgica, Irlanda, Japão, Noruega e Suíça – continuam a registar taxas de natalidade abaixo do nível de reposição geracional, exceptuando Israel (OECD.Stat, 2021 e UNSTATS, 2013).
No caso português, reunimos um conjunto de factores muito desfavorável, pois não só chegaram até nós as exigências económicas e sociais das sociedades desenvolvidas como, por outro lado, existe baixo poder de compra e carência de oferta, estatal ou privada, de apoio à infância. A família portuguesa faz as suas escolhas no estranho cruzamento entre as aspirações e os hábitos culturais progressistas e individualistas e a objectiva carência de meios para procriar e sustentar um projecto de família segundo os padrões modernos.
Acresce que os casais raramente contam com uma rede de apoio familiar, prejudicados pela urbanização e pela aguda litoralização – de acordo com os Censos 2021, os únicos municípios com saldo populacional positivo situam-se no litoral, com prevalência da Área Metropolitana de Lisboa, Odemira e Algarve (concelhos em que se fixa a imigração).
Lembrando que falamos de uma tendência duradoura e generalizada por quase todas as economias desenvolvidas, soma-se, aos obstáculos económicos, um paradigma cultural baseado no prestígio de ter poucos filhos como sinal de autonomia, riqueza, instrução, urbanidade, emancipação, de planeamento racional dos impulsos e até de consciência ambiental. É um paradigma oposto ao familismo, em alguns casos revelador de ideais neo-malthusianos – assustados com a pegada ecológica de cada novo bebé – mas também de um certo desapreço por famílias numerosas, vistas como revivalismo de antigos modelos de fidelidade conjugal.
As sociedades ocidentais parecem não estar preparadas para aceitar políticas explicitamente direccionadas ao favorecimento de famílias estáveis e numerosas. As propostas mais fáceis de legitimar são aquelas que se baseiam em atribuição de subsídios ou gratuitidade de serviços. Porém, para além de insuficientes face a outros factores sociais e culturais envolvidos, poucos políticos estão dispostos a esperar vinte ou trinta anos por respostas conclusivas (a duração completa do período fértil de um conjunto de mulheres).
Reavivar o compromisso com o futuro
Vivemos mais confortáveis do que nunca. A mulher nunca teve tantos meios para atenuar o sofrimento associado ao parto. Ao longo da história, o parto foi um momento de enorme incerteza e risco, para a mãe e para o recém-nascido. Hoje, felizmente, na maioria dos casos, o momento é de felicidade.
Será que é a adversidade que cria motivação para investir na reprodução, enquanto o conforto nos distrai com várias ocupações e nos desresponsabiliza perante o futuro? Por vezes, esquecemo-nos de que precisamos uns dos outros para quase tudo. Qualquer mudança de cariz natalista deve passar pela revalorização da família quanto às suas finalidades de longo prazo, em vez de reduzi-la ao seu papel afectivo. Nesse sentido, é importante que as políticas da família sigam uma orientação colectiva e relacional em vez de orientação individualista, para melhor respeitarem e alavancarem as interacções naturais entre membros do agregado, considerando que a família é uma pequena economia de partilha e criadora de capital humano.
Nesta linha, poderão ser equacionados benefícios fiscais substanciais para o agregado familiar, seguindo a ordem de nascimentos, e apoios no acesso à habituação para casais jovens. A nível das pensões, é recomendável reavivar a memória de que os velhos esquemas de solidariedade intergeracional serviam de motivação à reprodução. Todas as nossas acções têm consequências, visíveis e invisíveis e, no actual sistema de pensões, aqueles que não se reproduzem estarão também a absorver os contributos fiscais dos filhos daqueles que se reproduziram.
O paradigma cultural vigente promove a ideia de que somos mais civilizados do que nunca, por não nos “usarmos” dos nossos filhos. Eram as sociedades tradicionais que obtinham activos económicos da reprodução, usando os filhos como força de trabalho e como segurança na velhice. As sociedades modernas individualistas passaram a acreditar que os indivíduos são perfeitamente auto-suficientes, face à sociedade e face à família, embora em toda a parte estejam acorrentados em empréstimos privados e dependências estatais que providenciam um conforto incerto.
Para mudar o rumo das sociedades envelhecidas não podemos lamentar apenas a evolução do PIB, a perda de receitas fiscais ou a insustentabilidade dos sistemas de pensões. Sem o rejuvenescimento da sociedade não existe população activa nem novos contribuintes, mas, além disso, não existe inovação, vitalidade, esperança, nem propósito maior na vida. Não existe uma geração a quem possa ser confiado o legado técnico, científico, humanístico, cultural e biológico, com vista a perpetuá-lo.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.