Portugal assistiu, nos últimos dias, a uma pseudocrise política criada ardilosamente pelo primeiro-ministro, que incluiu a ameaça pública de uma demissão. Isto a pouco mais de duas semanas das eleições europeias, porventura das mais importantes de sempre.

Sem dúvida que falamos aqui de um ato de questionável sentido de Estado, que encontra explicação no que o PS sabe desde há quatros anos: que sem vencer legislativas, só conseguiu formar governo com um acordo parlamentar com os partidos à sua esquerda. A estratégia da vitimização para tentar antecipar o ato eleitoral em um mês e meio, mais do que taticismo político, é um absurdo.

Após quatro anos de governação da frente esquerda, o PS encontra-se numa curva descendente nas sondagens de intenção de voto, com uma ameaça real de um fraco resultado nas Europeias, o que poderia ser fatal para os resultados das legislativas de outubro.

Aparentemente, só agora António Costa parece ter acordado para o facto de Portugal continuar na cauda da Europa em termos de desenvolvimento, a carga fiscal se encontrar em máximos históricos dos últimos 20 anos, o crescimento da população ativa assentar quase exclusivamente na entrada de estrangeiros, para a diminuição dos salários reais dos portugueses, para um poder de compra cada vez menor face às remunerações base e ao ganho médio dos trabalhadores do setor privado e para o elevado endividamento do Estado, das empresas e dos portugueses também em números históricos. Em suma, António Costa acordou agora para o país real.

O CFO Survey, estudo apresentado ontem pela Deloitte e relativo à primavera deste ano, veio confirmar esta triste realidade: 90 administradores financeiros das nossas principais empresas acreditam que os eleitores portugueses vão decidir o voto nas eleições legislativas de outubro, num cenário de forte abrandamento e fraco crescimento da nossa economia e que esta é a maior ameaça para a sustentabilidade das empresas nos próximos 12 meses.

Para os inquiridos, pessimistas com a evolução da economia nacional, urge a criação de soluções de diversificação das fontes de financiamento que as defendam destas nuvens negras, que assumem riscos maiores nos seus balanços.

O desânimo dos financeiros do Portugal real contrasta também com a maior precariedade laboral e a perda de rendimentos. É dramático constatar que a percentagem de portugueses que recebem o salário mínimo nacional aumentou 14,9% entre 2015 e 2018, correspondendo a um em cada quatro dos que trabalham (25,6%) que vivem com 516 euros mensais (deduzidos já os descontos da Segurança Social). Falamos, pois, de 1.245.000 trabalhadores portugueses que vivem nesta situação, mais de 300 mil do que quando a esquerda começou a governar – em 2015, eram 973 mil que viviam com o salário mínimo. Um paradoxo difícil de explicar.

António Costa andou, portanto, três anos a governar com a esquerda e só agora, na reta final da legislatura, se lembrou de romper com a geringonça e de virar ao centro, numa tentativa desesperada de obter uma vantagem eleitoral. Este é um caldinho que ferve num caldeirão, que nada augura de bom para Portugal, mas que explica bem as ameaças de demissão do atual primeiro-ministro, à semelhança de António Guterres. Um pouco à maneira do “amarrem-me, senão eu fujo”.