O debate que se tem gerado na sociedade civil em virtude da introdução dos novos passes de transportes públicos – passe Navegante Municipal e passe Navegante Metropolitano – tem sido marcado por algumas preocupações que importa desconstruir. Em primeiro lugar, o impacto indesmentível no orçamento mensal dos utentes na área metropolitana da Grande Lisboa e Porto (o conjunto destas duas áreas concentra cerca de 43,9% da população residente em Portugal, de acordo com fontes do INE) irá permitir uma poupança mensal na ordem de dezenas de euros para várias famílias.

É inegável que a medida tem um carácter eleitoralista face à sua concretização em período pré-eleitoral. Mas de todos os argumentos que poderiam ter sido invocados pela oposição ao Governo, estranha-se que a opção tenha recaído no mais despropositado de todos – não seria justo para o interior do país subsidiar os passes, através dos seus impostos, sendo apenas as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto a beneficiar da medida.

Para além do óbvio populismo e maniqueísmo deste argumentário, a direita ter-se-á convenientemente esquecido do processo de desmantelamento e privatização da Rodoviária Nacional nos anos do governo de Cavaco Silva, tendo essa medida prejudicado o interior do país que se viu a braços com serviços rodoviários cada vez mais reduzidos e ineficientes.

Regressemos ao presente. A degradação das infraestruturas de transportes públicos – um processo que teve início há décadas e foi acelerado durante o período da troika – pode minar profundamente esta medida. Para quem circula atualmente entre os vários muncípios da Grande Lisboa, facilmente identifica os constantes problemas de supressões, avarias e sobrelotação que têm provocado sérios constrangimentos às populações. A introdução dos novos passes levanta dúvidas muito válidas sobre a capacidade de as infraestruturas acompanharem uma procura elevada. Possivelmente não, mas a pressão nas empresas para acompanhar essa procura terá de culminar num maior investimento.

O processo irá piorar antes de melhorar. Todos estamos cientes de que o automóvel ainda é o principal meio de transporte utilizado pelos residentes nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto (de acordo com INE), muito devido ao facto de termos uma rede pública de transportes bastante deficitária (especialmente entre municípios), mas recordo que a surpreendente adesão dos habitantes a meios alternativos de mobilidade (bicicletas, trotinetas, carros partilhados, etc.) em grandes centros urbanos e a sua rápida generalização mostra que são as próprias populações a reconhecer a necessidade de uma mudança.

O ceticismo tem sido sempre o sentimento dominante que acompanha a introdução de medidas de carácter radical e transformador. Mas a verdade é que estamos numa fase de crescimento, em pleno século XXI, em que é impensável que não se adote nas nossas metrópoles um sistema de mobilidade sustentável, eficaz e acessível a todos. E tendo como ponto de partida as metrópoles, poderemos então planear também infraestruturas eficientes para todo o território nacional, sem exclusões. Olhando para os velhos sectarismos ideológicos presentes neste debate, é evidente que discordamos na forma como iremos lá chegar, mas seria bom não cair no velho populismo simplista.