Os veículos elétricos têm cimentado a sua posição como alternativa para a mobilidade, mas ainda há muito caminho para percorrer, considera Teresa Ponce de Leão, presidente presidente da APVE – Associação Portuguesa do Veículo Elétrico e do Laboratório Nacional de Energia e Geologia. Em entrevista ao Jornal Económico, considera que os desafios passam, em primeiro lugar, por garantir que existe energia de fontes renováveis e que esta consegue chegar aos consumidores.
Quais os grandes desafios da mobilidade elétrica para 2022?
Começar por garantir que há energia verde, portanto de origem renovável, para o abastecimento dos veículos elétricos. Por enquanto, salvo raras exceções, a eletricidade que abastece os veículos tem origem no mix energético que, como sabemos, tem ainda uma parcela de origem fóssil bastante substancial. Se olharmos para os registos da produção, por enquanto, no nosso sistema, apenas cerca de 60% da produção tem como origem fontes renováveis.
Em suma, a eletricidade, como qualquer outro vetor energético para a mobilidade, seja biocombustíveis, seja gases renováveis e hidrogénio, tem que ter origem renovável para garantirmos um verdeiro futuro sustentável.
Deve ainda ser reforçado o esforço de capilarizar a infraestrutura de rede, seja nas grandes vias seja em soluções urbanas que exigem uma reformulação de legislação que neste momento ainda é entrave para o acelerar de penetração de veículos elétricos.
Considera que o mercado consumidor está a assumir essa necessidade?
O consumidor, por influência da própria oferta de mercado – que já é muito diversificada em termos de veículos elétricos –, porque já faz cálculos no longo prazo, isto é, ao longo do tempo de vida útil do veículo – verifica que o investimento compensa –, ou, ainda, porque há ameaças/propostas de medidas restritivas na utilização de veículos de combustão interna, está a mostrar tendência de mudança no consumo e os veículos elétricos têm sofrido um aumento exponencial nas vendas. Mas devemos também considerar os veículos híbridos, que permitem uma autonomia, para já, consideravelmente superior, permitindo viagens mais longas e menos stressantes na procura de carregamento, ao que acresce a capacidade de gestão, se for otimizada.
O tema da autonomia nos veículos eletrificados está ultrapassado?
E o do investimento em infraestruturas de carregamento?
Bem, o tema da autonomia dos veículos não está relativamente ultrapassado. Por exemplo, para os veículos de gama alta, uma viagem Norte-Algarve implica um carregamento a meio caminho que, se for rápido, implica uma paragem de cerca de 20 minutos a meio do percurso. E este carregamento será rápido se não houver fila de espera.
Para os outros veículos, o padrão de consumo tem peso no desempenho do veículo, fundamentalmente ao nível das características do percurso e tipo de condução. Obriga a uma boa gestão e planeamento dos circuitos a percorrer.
As infraestruturas de carregamento ainda não respondem às necessidades, pois necessitamos de mais investimento em postos adaptados aos tipos de uso, longo curso, privado, profissional, etc. Ao nível técnico-legal, ainda há arestas a limar ao nível da normalização e certificação e também na legislação que se aplica às comunidades energéticas, condomínios, bairros e urbanizações entre outros.
Gostava só de dar como exemplo que há soluções para veículos de mercadorias [na Alemanha] que, mantendo a versão de eletrificação através de pantógrafo e catenária – em autoestrada –, mantêm o motor de explosão para as situações de impossibilidade de utilização das mesmas.
A eletrificação vai gerar discussões a montante e a jusante em termos de produção? Arriscamos concluir que a eletrificação é poluente?
A eletrificação não é poluente, o que pode poluir é a fonte energética usada para a produção de eletricidade. Se a produção da eletricidade tiver como origem uma central a carvão, a eletricidade necessária polui em função da quantidade de energia térmica necessária para a produzir. Neste caso, a única vantagem de um veículo elétrico seria não ter poluição sonora nem gases libertados nas vias por onde circula. Como no hidrogénio, devemos colocar como objetivo a energia verde como primária, eólica, solar hídrica ou qualquer outra não fóssil ou nuclear.
Os construtores estão a prever deixar de vender veículos térmicos a partir de 2030. Não deveriam antecipar esse objetivo?
Não há capacidade para uma renovação total do parque automóvel, nem por parte da produção nem por parte do consumo. Acontece que observamos um fenómeno que não é novo, mas ao qual não tinha sido dada muita atenção, que é a dificuldade de obter as matérias-primas necessárias para produzir sensores e baterias, por exemplo. A comunidade científica tem estado atenta a esta dificuldade, mas, como em tudo, há que investigar para a oferta de novos materiais, apesar de ser um caminho que já está a ser feito.
Quero lembrar que só a Europa estabeleceu esse objetivo – será que não vamos ver fabricantes a produzir carros elétricos na Europa e carros com motores de explosão na América do Sul? Será que África poderá assumir objetivos compatíveis com este desígnio europeu?
E não deveria ser antecipado o objetivo de restrições de veículos térmicos nas cidades?
Há que observar as condições de vida nas cidades e tudo tem que ter em conta a vida de quem vive ou trabalha nas cidades. As cidades dependem do abastecimento, dos movimentos pendulares para o trabalho, do transporte para as escolas e das pessoas que lá vivem. Não estamos ainda num estado de prontidão para começar a pensar em restrições sem analisar todo o ecossistema da cidade.
Antes de impormos restrições, o Estado tem que dar o exemplo e temos que começar, já se está a fazer, mas temos que descarbonizar os transportes públicos e oferecermos condições de mobilidade a quem lá vive antes de acelerarmos as restrições.
Em termos técnicos é possível pensar em substituir diesel e outros produtos fósseis por eletricidade em veículos pesados?
Já me referi aos veículos de mercadorias (pesados) na Alemanha, através de veículos híbridos (pantógrafo e catenária), mas, respondendo, a China lidera o mercado dos veículos pesados a uma taxa de 9% ao ano. Este crescimento é muito impulsionado pela necessidade de atuar ao nível da poluição atmosférica. Este crescimento na Europa cifra-se nos 7%, representando uma parcela de mercado de 4% do total de autocarros. A mudança é muito influenciada pelas ações e políticas ao nível municipal.
A título de curiosidade o crescimento na Índia foi de 34%, sendo que o ponto de partida era muito reduzido.
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