Na semana passada, o Jornal Económico viu-se obrigado a defender uma notícia sobre o facto de o Governo estar a ponderar uma requisição civil para a greve dos estivadores, após a ministra do Mar ter negado que a possibilidade tenha estado em cima da mesa. Quem produz notícias com fontes fiáveis e dados cruzados não tem dificuldade em defender a informação.

Essa defesa, tal como a que fizemos no cristalino ‘caso Robles’, foi feita de forma completa, portanto não importa repeti-la aqui em detalhe. No entanto, o episódio veio salientar um tema cada vez mais preocupante – a crescente prontidão de responsáveis políticos e empresariais em negar notícias que não estejam de acordo com a mensagem que lhes é conveniente.

A realidade incómoda é passada por falsa, mesmo que tenha sido revelada após investigação rigorosa e fundamentada. A tentativa é de substituir a informação por uma versão mais positiva para quem a emite. No caso da ministra do Mar, creio que não resultou. Ao mesmo tempo que Ana Paula Vitorino dava a conferência de imprensa, outro membro do Governo, o ministro da Economia, Siza Vieira, era questionado sobre a notícia da requisição civil e confirmava que todas as possibilidades têm de ser consideradas.

É assim tão difícil acreditar que o Governo – entre a greve, os danos causados e o cenário de a Volkswagen dizer auf wierdersehen a Portugal – tenha considerado todas as opções? Ou será mais difícil acreditar que o acordo com os estivadores foi feito sem pressões, como disse a ministra?

A sequência da revelação noticiosa-negação oficial existe há séculos, mas a força com que as notícias são negadas hoje merece reflexão. Primeiro, resultam, naturalmente, da tóxica difusão de notícias falsas. Segundo, a necessidade justificada de negar essas mentiras cria um efeito secundário – o hábito de negar notícias quase como um reflexo. E, por último, leva a uma simplificação da realidade – uma notícia tem de ser negada porque embate com outra verdade.

Por exemplo, a ministra do Mar poderia ter respondido que a questão da requisição civil já não era relevante, que o que interessava era o acordo. Teria evitado negar uma notícia fundamentada que era uma das verdades sobre a situação.

É impensável que o Governo estivesse a ponderar a requisição civil e, em paralelo, a apoiar as negociações com os estivadores? Seria controverso, claro, mas a mera possibilidade mostrou ímpeto para tentar resolver um problema urgente. É preocupante ver que uma política experiente como Ana Paula Vitorino tenha rejeitado que, numa situação complicada, há várias verdades e não apenas aquela que mais convém.

O spin não é, contudo, exclusivo dos políticos. Os gestores do setor privado também o usam e em doses excessivas. A sucessão de operações falhadas ou adiadas na Bolsa de Lisboa tem sido explicada como fruto de uma verdade: o mercado não está favorável.

Há, porém, outras verdades. Os ativos, se fossem mesmo sólidos, teriam atraído interesse. A turbulência está a obrigar ao cancelamento de operações a nível global, mas há muitas que avançam porque têm propostas de valor. Não se pode inocentar as decisões dos gestores, pois são estes quem escolhe os timings, os valores e as histórias a apresentar. Qualquer tentativa de fazer isso não é notícia, é uma operação de relações públicas, como diria o autor do clássico distópico “1984”.

A equipa do Jornal Económico deseja um feliz Natal a todos os seus leitores, parceiros e anunciantes. Na próxima semana, teremos uma edição especial de Ano Novo, com a melhor análise sobre os desafios de 2019.