Agora que se aproximam as eleições autárquicas, já temos os candidatos definidos e os cartazes estão nas ruas, volta a estar patente uma tendência que despontou nas eleições autárquicas anteriores: a presença de candidaturas independentes ou de movimentos cívicos, não suportados pelos partidos tradicionais.

Assim como há quatro anos, muitos desses independentes são, na verdade, antigos presidentes de Câmara que, não tendo sido escolhidos pelos partidos para nova candidatura, tornam-se dissidentes e concorrem de forma independente.

Nas eleições anteriores, muitos fizeram isso para tentar contornar o impedimento dos limites de mandatos, candidatando-se a municípios vizinhos. Agora, muitos dos “dinossauros autárquicos”, desimpedidos pela lei, renascem candidatando-se às “suas” Câmaras, embora não suportados pelos seus partidos de sempre – Isaltino Morais e Narciso Miranda são casos paradigmáticos.

Interessante, também, é ver alguns partidos tradicionais que escolheram como candidatos a presidente de Câmara figuras “independentes” (veja-se o caso de Álvaro Almeida no Porto) ou que fazem uma divulgação da candidatura centrada na figura do candidato, deixando muito pouco visíveis os emblemas partidários (veja-se o caso de Cancela Moura em Gaia, apoiado pelo PSD e CDS).

A verdade é que existe, em Portugal, um descontentamento com os partidos tradicionais, por todos os vícios que corroem essas estruturas. O aparecimento das candidaturas independentes, ou com independentes, parecem, então, funcionar como uma escapatória, uma esperança num melhor funcionamento, livre dos tais vícios.

Porém, essa esperança pode ser defraudada: se pensarmos nos dissidentes, sendo produtos dos partidos tradicionais, é difícil supor porque deixariam de ter os mesmos comportamentos só por não serem apoiados pelos seus partidos de origem; quanto aos independentes apoiados por partidos tradicionais, também não se percebe porque seriam imunes aos tais defeitos, uma vez que só o cabeça de lista é independente. Todos os demais candidatos e estrutura são do partido que apoia a candidatura, logo, enfermam dos mesmos problemas; finalmente, os independentes apoiados por movimentos cívicos seriam os que poderiam reunir as melhores condições para funcionarem de uma forma inovadora e mais “pura”. Mas essa pode ser também uma miragem: é que os vícios que estão entranhados nos partidos tradicionais têm muito mais a ver com o funcionamento do poder do que com o funcionamento partidário.

A verdade é que se queremos melhor governação (seja autárquica, seja nacional), o que temos que exigir é transparência e avaliação. Seja aos partidos tradicionais, aos movimentos cívicos ou aos “independentes” (com aspas porque ninguém é verdadeiramente independente). Mas isso dá trabalho, requer esforço cívico de todos. Na detecção das falhas, na denúncia dos erros e na participação democrática – há muito mais gente que podia e devia ser candidata, mobilizar-se civicamente para fomentar a concorrência eleitoral.

Nestas eleições, votemos, então, em consciência, e não em rótulos, e mantenhamos uma vigilância cívica democrática. Nas seguintes, porque não pensar em participar como candidatos?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.