Estive fora do país duas semanas e não sei para onde me virar… Descubro que temos um primeiro-ministro racista, um PCP que continua a apoiar Maduro, que Santana Lopes visitou o bairro da Jamaica (não, não é a discoteca… isso eram noutro tempo), que a ministra da Saúde diz que se há erro médico que se enterrem os mortos e tratem dos vivos, que um tal de Mamadou Ba, depois de se ter referido à polícia como “a bosta da bófia”, pediu protecção policial, que a CGD vai para a terceira comissão de inquérito… Enfim, uma pessoa não pode ir de férias!

De facto, este ritmo alucinante não é para um país qualquer. Como é que conseguimos piorar de dia para dia?

Ah, e o nosso Presidente da República, depois de ter dito que defende mandatos únicos, a propósito da não recondução da Joana Marques Vidal, diz que “sai do Panamá com uma grande vontade de se recandidatar” e quando questionado sobre o que o faz ter dúvidas, explica: “Tenho de ter saúde e tenho de ver se não há ninguém em melhores condições para receber o Papa”. Bom, com todo o respeito que eu possa ter pelo Papa, preferia que o bem-estar da população e a boa evolução da economia portuguesa fosse a prioridade do nosso Presidente.

Ah, e ainda temos o Marinho Pinto a dizer que não lhe apetece nada, mas vai recandidatar-se às europeias.

Esta malta põe a vida deles ao nosso serviço, é o que é. Temos todos de lhes agradecer! Nem se percebe como é que, com tanta dedicação e sacrifício pessoal, o país não sai da cepa torta sendo que, cheira-me, caminha a passos largos para nova crise económica.

Mas concentrando-me então num destes temas, lendo o que surgiu sobre a CGD, e recordando o que escrevi a propósito do Novo Banco e desta nova palavra que só ganhou notoriedade com a crise de 2008, sabemos agora que apenas 46 empresas conseguiram um valor de imparidades na CGD de 1.200 milhões de euros.

No quadro apresentado pelo ECO, surgem pelo menos seis empresas, entre elas uma Investifino, uma Jupiter ou até a Fundação Horácio Roque, cujo valor da imparidade iguala a do empréstimo – isto chega a ser hercúleo. São concedidos empréstimos a seis empresas, num valor total de 296,5 milhões de euros e nem uma prestação é paga?!

Como é possível que entre 2011 e 2017 tenham sido contabilizadas como imparidades 10 mil milhões de euros num banco público e que nada se saiba, nada se apure, nada tenha consequências? Porque é que em 2017 foi travada uma comissão de inquérito que, segundo a EY, apurava que de 2000 a 2015 existiam créditos concedidos a estas 46 empresas que provocariam imparidades num valor de 1.200 milhões de euros?

No que diz respeito à CGD, tenho, aliás, imensas dúvidas:

1º. Fala-se muito – e bem! – do apuramento de responsabilidades na concessão dos créditos na CGD. Mas sabemos que mesmo que se apurem, as consequências serão nulas, mais que não seja porque tudo já terá prescrito.

2º. Porque é que alguém que trabalhou anos no BPN, foi Presidente da Parvalorem, ocupa agora uma série de cargos relevantes na CGD? O CV é público e pode vê-lo aqui.

3º. Quem são os beneficiários desses créditos? Que créditos são? Qual era o investimento previsto? Onde está o dinheiro? Quem foram os beneficiários pessoais desses mesmos créditos? O dinheiro não pode ter simplesmente desaparecido.

Estou em crer que as administrações das empresas que beneficiaram dos créditos são pessoas, humanos, de carne e osso, com quem se pode dialogar. Quem são? Que património têm essas mesmas pessoas? Que tipo de relação têm ou tinham com a administração do banco? Terá havido transferência de valores entre a empresa que recebeu o crédito e os seus responsáveis? Que investimentos chegaram a ser feitos com base nesses créditos? Nada é recuperável? Ou é mais fácil chutar para imparidades e aumentar impostos?

4º. E onde esteve o Banco de Portugal, neste (como nos outros) processo(s)? Enquanto supervisor, nunca se apercebeu de nada? Nem com um ROC a alertar durante sete anos (de 2007 a 2014) para a probabilidade de erro na análise de risco na CGD? Como é possível que o Banco de Portugal (BdP) não seja chamado a assumir responsabilidades? Que supervisão é que o BdP pratica? Talvez seja melhor perguntar o que o BdP entende por supervisão. O salário médio dos colaboradores do Banco de Portugal é de 5.000 euros, pelo que se espera alguma competência deste conjunto de pessoas!

O Banco de Portugal preocupa-se em estabelecer máximos de endividamento no crédito à habitação das famílias, mas não se preocupa com a forma como aqueles milhões foram concedidos? Porque as famílias com quem o BdP diz preocupar-se não afectam directamente os contribuintes mas sim essas mesmas famílias.

O que aconteceu em 2008 – que se prendeu de facto com o sobre-endividamento das famílias mas a nível global, com especial enfoque nos EUA – teve por base uma coisa chamada securitização – algo engendrado (e bem) pela banca de investimento mas mal escrutinado (quanto a mim, por incúria) na avaliação do risco dos diferentes níveis de investimento, e implementado e vendido sem qualquer preocupação com o rigor da informação implícita e (supostamente) reflectida no respectivo preço.

No mundo financeiro acreditava-se que tudo correria sempre bem e funcionava um bocadinho como o jogo da “bomba”: tens um “veículo” para vender, passa-o rapidamente para outras mãos, encaixa o teu prémio e avança no jogo.

A securitização não é mais que a venda de um “pacote” de empréstimos, cujo pagamento é mais ou menos duvidoso, a terceiros – que ficam com o risco de cumprimento desses mesmos empréstimos. Os “pacotes” devem ser formados por activos de risco idêntico. Mas quando se chegou ao ponto de haver “pacotes” com crédito à habitação concedido a pessoas que nem rendimento tinham, o brinquedo estoirou! Esta realidade aconteceu nos EUA, mas num sistema financeiro global é óbvio que tocou a todos.

O que estamos agora a ver na CGD (e que também se viu no BES) é algo diferente, muito diferente. E enquanto a justiça não funcionar neste país, nada funcionará.

Nota: A saúde do sistema financeiro é fundamental para o bom funcionamento da economia. Mas para cumprir a função que lhe deu origem.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.