1. A discussão em volta do combate ao crime de enriquecimento ilícito, indevido ou de ocultação de riqueza, como se queira designar, dos políticos e titulares de altos cargos públicos, mostra um PS e PSD feitos versão atual do Partido Regenerador (PR) e do Partido Progressista (PP) do final da monarquia.

A dado momento, esses dois partidos tinham como chefes Luciano de Castro (PP) e Hintze Ribeiro (PR) que eram, ao mesmo tempo, governador e vice-governador do Crédito Predial Português. Hoje, a desfaçatez não chega a tanto, foi delegada para uns patamares mais abaixo, mas continua a funcionar.

2 Como então, encontramos os mesmos nomes nos órgãos dos partidos, no Parlamento, nas empresas tuteladas pelo Estado e também naquelas que vivem dos favores das rendas e de outras sinecuras do Orçamento. Mudou pouco para que tudo continuasse como dantes – e é preciso lembrar que na monarquia também havia eleições para as Cortes.

O chamado rotativismo do final da monarquia tinha todos os vícios que podemos identificar no comportamento dos dois principais partidos da política nacional que têm alternado no exercício do Poder e bem expostos nos projetos de combate ao crime económico-financeiro e à corrupção que hoje vão ser discutidos na Assembleia da República.

3 As críticas que a Associação Sindical dos Juízes Portugueses fez ao PS e PSD a propósito das propostas que teoricamente visam combater a ocultação de riqueza indevida por parte de titulares de cargos políticos e públicos deveriam fazer corar de vergonha os líderes de ambos os partidos.

Quem olha de fora da política não tem dúvidas: PS e PSD estão subordinados à lógica de defenderem interesses e, neste caso, são suspeitos de arquitetar textos que na prática nada significam, que visam deixar tudo na mesma.
E, perante isto, não se vê qualquer sobressalto cívico, um arremedo de embaraço. Nada, apenas silêncio, descaro.

4 Esta luta por evitar que a classe dirigente, política e social seja escrutinada começou há 15 anos. Perante o engrossar do rumor público, a estratégia dos interesses económicos que vivem de corromper o Estado foi mandar redigir aos seus funcionários, em comissão de serviço nos partidos, propostas que fossem de choque direto ao texto da Constituição, vaca sagrada dos maiores conservadores portugueses.

Obviamente, os conselheiros do TC tinham de chumbar.

Fizeram-no por duas ou três vezes.

Foi assim que, a reboque, o PS conseguiu aprovar a atual Lei das Obrigações Declarativas, que não queria resolver, não resolve nem resolverá o que quer que seja neste âmbito.

5 Perante textos assim, veremos o que se irá passar hoje na Assembleia da República e, sobretudo, qual será o passo seguinte do Presidente da República, que desde há semanas tinha convocado os partidos para a necessária mudança. Estará ele conformado a ver-se desrespeitado pelos dois principais centros de negócio de Portugal?

Relembro o que se passou recentemente na alteração do Código dos Contratos Públicos (já depois de um primeiro veto presidencial!). No âmbito do PRR, todos os projetos têm de passar pelo Tribunal de Contas, mas da seguinte forma: acima de 750 mil euros é preciso visto prévio (também faltaria!…), abaixo desse montante vai tudo para apreciação mas com duas alíneas: na a) podem parar-se as obras; na b) quando a apreciação concomitante não for possível faz-se a posteriori, depois da obra feita. Ou seja, é concomitante mas pode não ser concomitante.

E assim funciona o regime.