Fui ao Inferno de Auschwitz, sendo confrontada in loco com o que foi a total desvalorização da vida humana, reduzida a uma dimensão tão exígua que é lícito questionar se mantém essa condição. Não tenho vergonha de afirmar que chorei desde que entrei. A história, muitas vezes, arranja forma de se repetir, ainda que travestida de outras roupagens.

Aquela em concreto, a daquelas e a de todas as pessoas que sofreram o que se passou nunca mais se poderá repetir. Como, numa outra escala, não se deveria repetir o trabalho “à jorna”, imortalizado no filme Há Lodo no Cais e que não se afasta muito da realidade dos estivadores portugueses. Diga-se o que se disser: a precariedade não deve ser para ninguém.

Não obstante a ministra do Mar se ter precipitado a anunciar um inexistente acordo,  à data em que escrevo estas linhas, os estivadores mantêm-se na luta, sob o slogan “nem um passo atrás”.

Vamos ser claros: nunca existiu um qualquer acordo mas, ao invés, umas vagas promessas, servidas em tom de ameaça perante a mesma representante que, subjugando-se aos interesses da Autoeuropa, se apressou a falar ao seu cônjuge, o ministro da Administração Interna, para enviar escolta policial ao pessoal especificamente contratado para substituir os grevistas, carregando de forma muito diligente as viaturas mas deixando para trás, por exemplo, fruta.

Num outro país com legislação semelhante à nossa, a qual proíbe inequivocamente a substituição de trabalhadores em greve, o Estado não gastaria recursos públicos a caucionar uma ilegalidade.

Num outro país, uma qualquer ministra não alinharia em pleno com os empregadores, sendo denunciada por uma gralha similar à que surgiu no comunicado daqueles.

Num outro país, a maior parte da comunicação social também não aderiria às versões espalhadas pelo empregadores, sem se questionar da sua bondade ou da sua veracidade.

E, num outro país, os demais trabalhadores não se apressariam a criticar os que estão em luta, não vendo para além do seu próprio quintal.

Foi, aliás, o que se passou na Alemanha, em Emden, cujos conselhos de trabalhadores da Autoterminal e da fábrica local da Volkswagen, apelaram a uma assembleia geral conjunta de trabalhadores com o objectivo de influenciar a resolução do conflito laboral que envolve os estivadores do porto de Setúbal. A solidariedade veio de longe mas fez ouvir lá quando o Paglia – que foi o navio que se deslocou ao porto de Setúbal para embarcar mais de dois mil veículos produzidos na Autoeuropa, em Palmela – chegou ao seu destino.

Cá também se impõe, não apenas no Natal e sob o espectro da Popota, mas todos os dias e para todos. Este é um daqueles momentos em que podemos fazer a diferença e contribuir para uma luta que devia ser a nossa. Precariedade? Nem para eles, nem para ninguém.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.