Benjamin Netanyahu esteve ontem em Washington para a sua terceira visita oficial desde 7 de Outubro. Oficialmente, a agenda falava de “coordenação estratégica” com o aliado mais importante de Israel. Mas a visita ilustra algo mais subtil e profundo: a complexa arte de Israel em manter os Estados Unidos alinhados — mesmo quando há avisos para conter a arrogância estratégica.
Israel depende dos EUA para manter a sua vantagem militar qualitativa, para a protecção diplomática nas Nações Unidas e para garantir um fluxo constante de ajuda militar. Mas, como Barack Obama disse um dia com ironia, Netanyahu tem o talento de agir como “o presidente de uma superpotência mundial”.
A viagem de ontem confirma essa relação especial — mas expõe também os seus limites.
Em Abril, Israel atacou o consulado iraniano em Damasco, matando altos comandantes da Guarda Revolucionária. Em resposta, o Irão lançou o primeiro ataque direto de solo iraniano sobre Israel em toda a história do conflito — mais de 300 drones e mísseis. Israel respondeu de forma calibrada, com um ataque inédito a Isfahan, em solo iraniano.
Acrescente-se que, com o ataque americano ao Irão, numa tentativa deliberada de conter a escalada. Foi um recado claro de Washington, mostrando disponibilidade para punir o Irão, mas tentando simultaneamente marcar uma linha vermelha e impedir uma guerra regional aberta que ameaçasse os fluxos energéticos e a estabilidade dos mercados. Este gesto americano serviu também para lembrar Israel de que não tem carta branca ilimitada para decisões unilaterais sem consulta prévia.
Foi um momento de viragem. Durante anos, Israel e o Irão mantiveram a sua guerra na sombra — ataques em terceiros países, sabotagens, espionagem. Esta troca elevou o risco de uma guerra regional aberta, com efeitos devastadores nos preços do petróleo e no investimento internacional.
As capitais árabes ficaram alarmadas. Riade e Abu Dhabi temeram a explosão de um conflito que arruinasse os seus planos de desenvolvimento económico.
Para Netanyahu, o ataque em solo iraniano foi uma demonstração de força. Mas para Donald Trump, agora de novo Presidente dos EUA, foi um lembrete incómodo de que mesmo os aliados mais próximos podem complicar estratégias delicadas.
A política externa de Trump para o Médio Oriente sempre foi antes de mais um projecto económico. Ele orgulha-se dos Acordos de Abraão não só como vitória diplomática mas como plataforma de contratos bilionários, vendas de armamento, investimento cruzado e estabilidade geopolítica para garantir um Golfo “aberto para negócios”.
Os parceiros do Golfo confiam nele para garantir previsibilidade. Sob Trump, Israel era suposto manter contenção suficiente para não incendiar a região sem aviso, para não pôr em risco o preço do barril nem comprometer as gigantescas promessas de investimento estrangeiro.
O ataque de Israel em solo iraniano — foi visto em Riade e em Abu Dhabi como um acto unilateral arriscado. Trump não podia ignorar esse risco. Por isso, a visita de Netanyahu teve um duplo papel. Por um lado, consolidar o apoio americano, garantir a continuidade da ajuda militar e da cobertura diplomática — sem a qual Israel não consegue manter a sua campanha prolongada em Gaza nem a contenção ao Hezbollah no Líbano.
Por outro lado, ouvir um aviso claro. Trump pode ser um aliado incondicional, mas não é ingénuo. Ele sabe que a sua promessa eleitoral de crescimento económico exige um Médio Oriente estável, preços de petróleo controlados e relações sólidas com os parceiros do Golfo.
Em paralelo, decorrem negociações complexas para um cessar-fogo prolongado entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza. Washington insiste nesse caminho, pressionando Israel a permitir tréguas humanitárias alargadas e a abrir corredores para ajuda e reconstrução. Netanyahu, porém, enfrenta a oposição feroz da sua coligação de extrema-direita, que rejeita concessões ao Hamas e ameaça fazer cair o governo se forem aceites compromissos de longo prazo. Este braço-de-ferro interno fragiliza qualquer esforço diplomático real, mantendo a guerra num limiar perigoso.
Também na Cisjordânia a situação permanece explosiva. A expansão dos colonatos, os confrontos diários e o colapso de legitimidade da Autoridade Palestiniana alimentam o risco de uma terceira intifada. A Administração Trump quer evitar que esta frente se inflame ao mesmo tempo que Gaza e o Líbano, mas não tem conseguido influenciar a política israelita de colonização, cada vez mais agressiva e ideologicamente motivada. Para muitos diplomatas europeus, este é o grande fracasso do Ocidente: tolerar a colonização enquanto pede tréguas em Gaza.
Netanyahu foi a Washington para garantir o apoio, mas também para baixar o tom, para ouvir o recado de que a contenção não é facultativa. Não se pode correr o risco de uma guerra regional aberta sem consequências políticas. Aqui está o paradoxo central. Israel depende profundamente dos EUA — mas Netanyahu aprendeu a transformar essa dependência numa alavanca diplomática.
O Congresso americano continua esmagadoramente pró-Israel. Mesmo as vozes críticas, como Rand Paul ou Thomas Massie, são marginais. A ajuda militar está assegurada. A Administração Trump pode exigir coordenação, mas no final a relação estratégica é demasiado importante para que os EUA imponham restrições draconianas. Trump quer resultados: conter o Irão, proteger os aliados do Golfo e manter a vantagem militar israelita. Netanyahu sabe disso. E explora-o como poucos.
Na Europa, os líderes endurecem o tom. Condenam o “uso desproporcionado da força” em Gaza, mas não passam das palavras. Não há sanções reais. Não há instrumentos credíveis para condicionar Israel. Mesmo os actos de alguns Estados-membros, como Espanha ou Irlanda, ao reconhecer unilateralmente o Estado Palestiniano, são sobretudo gestos políticos que dividem a União sem lhe darem peso real.
Em Bruxelas, admite-se em privado o óbvio: quem define os limites da guerra israelita não é a União Europeia, mas os Estados Unidos. Em última análise, a visita de Netanyahu não foi sobre acabar com a guerra, mas sobre gerir os seus contornos.
Israel quer manter a liberdade de acção para continuar a campanha em Gaza, responder ao Irão e conter o Hezbollah. Trump quer assegurar que isso não se transforma numa escalada regional que arruíne os preços do petróleo e afaste os aliados do Golfo e os negócios. É um compromisso implícito: apoio robusto, mas condicionado. Solidariedade estratégica, mas com exigência de previsibilidade.
Israel é um país pequeno, rodeado de ameaças, profundamente dependente do apoio americano. Mas consegue apresentar-se como indispensável — a ponto de moldar a estratégia do seu aliado mais poderoso.
Obama irritava-se com isso, chamando a atenção para a forma como Netanyahu falava em Washington “como se fosse o presidente de uma superpotência”, arrogante e sem medo de se impor.
Trump conhece bem esse jogo. E ontem, em Washington, assistiu-se mais uma vez a esse equilíbrio instável: Netanyahu a pedir armas e diplomacia, mas também a ouvir o recado de que há limites.
Foi um dia que mostrou, em toda a crueza, o estado real da aliança: não uma hierarquia simples, mas uma negociação permanente entre interesses vitais, egos políticos e o preço — sempre o preço — da guerra.