A eventual saída do Reino Unido da UE representaria a maior derrota da Europa desde a Primeira Guerra Mundial. A construção pacífica e próspera da Europa encetada após a Segunda Guerra, na qual milhares de britânicos deram a vida, seria uma desgraça para a unidade e prosperidade dos europeus. Não pode acontecer.
Hoje há uma maioria de britânicos que não quer que aconteça. Os chamados Remainers cresceram. Terão a oportunidade de mostrar o que valem nas próximas eleições europeias, que alguns observadores consideram poder vir a ser o equivalente a um novo referendo.
Birmingham foi a única grande cidade britânica que votou a favor da saída do Reino Unido da UE. Londres, Liverpool, Manchester votaram contra, assim como expressivas maiorias na Escócia e Irlanda do Norte. A vitória do “sim” à saída deveu-se à teimosia de populações rurais envelhecidas e de pequenas cidades inglesas e do país de Gales.
Muitos dos que votaram Brexit recusam mudar de posição porque não querem admitir que foram enganados. Continuam a propalar que o Brexit é uma repetição da “finest hour” – a vitória sobre o nazismo – um absurdo inventado por Boris Johnson, que se considera a si próprio a reencarnação de Churchil, e cantam o “Rule Britannia”, o hino de um império há muito desaparecido.
É preciso ajudar os ingleses, escoceses, galeses, irlandeses que querem permanecer na UE e, consequentemente, defender a unidade do Reino – que será também ela vítima do Brexit. É praticamente certo que se o Reino Unido deixar a UE haverá referendo na Escócia, que preferirá manter-se unida ao grande continente e não à pequena Inglaterra.
Como bem percebeu Angela Merkel (vamos ter saudades dela) e o bom Donald, o Tusk, não se trata apenas de um assunto interno britânico. E felizmente que conseguiram forçar Emmanuel Macron, que os britânicos dizem querer imitar De Gaulle na sua oposição à entrada do Reino Unido na CEE, a aceitar um período alargado para a eventual saída dando tempo para que os britânicos se entendam quanto ao que querem.
É hoje muito claro o que já antes se percebera: a campanha do referendo foi uma fraude em grande escala. Melhor seria que não tivesse havido e apenas ocorreu porque Cameron quis apaziguar a ala fanática extremista xenófoba inglesa do partido Conservador, tomando uma decisão de inaudito risco político que colocou em causa 70 anos de construção europeia. Foi facilitismo irresponsável elevado à expressão máxima.
Theresa May quis prosseguir o apaziguamento para manter a unidade do partido Conservador, traçando logo a seguir ao referendo as “red lines” e invocando o Artigo 50 apressadamente. Conseguiu conservar-se como primeira-ministra, penosamente e em permanente crise, desprezando o desejo de 48% do eleitorado que votou contra a saída e pondo em causa a unidade do próprio reino. Como eles dizem colocou o “party above country”, desde logo por não ter de imediato começado a negociar com o partido Trabalhista e outros.
A análise e ampla divulgação dos impactos económicos do Brexit só foram feitos muito a posteriori e o que se sabe agora é que o Brexit será catastrófico para o Reino Unido e mau para o resto da Europa. Mas a questão principal é política, não é económica, porque quer se queira quer não, a construção da unidade europeia é uma questão política. Uma unidade que começou sustentada na economia porque essa era, e continua a ser, a via para conquistar maiorias para a tomada de decisões políticas.
Sempre pensei que a questão do Brexit deveria ter sido colocada no campo das ideias políticas, mas a campanha do referendo foi habilmente condicionada pelos Brexiters com a mentira dos 350 milhões por semana que seriam desviados da UE para o Serviço Nacional de Saúde. Mas agora ainda se vai a tempo de recolocar as coisas no plano da política, não no plano de maior ou menor unidade formal, mas num plano emocional e lato – paz na Europa – da qual depende a prosperidade dos europeus.
O Brexit seria um vexame internacional para a Europa. Toda a Europa, e não apenas a União Europeia, seria vítima da estupidez de uma minoria fanática e kamikaze inglesa. Não pode acontecer.