Os últimos dias demonstraram que os bancos centrais são uns viciados no jogo. A dependência é óbvia, gostam de atirar dinheiro para cima da mesa na esperança que o dealer e a sorte lhes tragam as cartas certas para poderem sair do casino com os bolsos e os egos cheios.

Como quase todos os viciados, têm sempre razões lógicas para fazer mais uma aposta. É com esta que vou ganhar e resolver os problemas! É a última vez, prometo! Se não der certo depois eu resolvo, algo irá aparecer!

Neste casino da política monetária, há vários tipos de jogadores. Entre os que se destacam está o mais experiente, o Banco do Japão, que começou em 1997 a apostar de forma disfarçada num jogo que depois viria a ser identificado como Quantitative Easing (QE). Hoje está completamente endividado (com um rácio dívida de mais de 230% face ao PIB), sem hipótese de largar a habituação às taxas de juro negativas. No entanto, com uma boa capacidade de trabalho, habitou-se a viver com a situação.

O europeu, o Banco Central Europeu, é a figura mais jovem na sala de jogo. Entrou apenas em 2015, com o dinheiro da família (os estados da zona euro), tendo com pompa e circunstância proclamado que estava pronto para fazer tudo que fosse necessário para salvar a honra familiar. E fez. Atirou mais e mais fichas para a mesa (desde QE e taxas negativas até crédito ultra-barato para os bancos). Tentou parar, mas não conseguiu e acaba de ser visto (na semana passada) a fazer uma última aposta, pois já não tem grande liquidez, já a utilizou toda.

Depois há uma jogadora. Rica, sharp e com mente empresarial, a Reserva Federal (Fed) entrou no casino com grande estilo para compensar uma crise em 2008. Em várias jogadas inteligentes, gastou 4,5 biliões de dólares até 2014 e decidiu que conseguia parar. No final do ano seguinte entrou no detox, fazendo nove aumentos nas taxas de juros em três anos. Essa ‘normalização’ do comportamento foi, no entanto, interrompida no início de 2019, muito por influência e pressão do bad boy, Donald Trump, levando a três cortes na taxa de juro num só ano.

Agora, já com um pé no casino, foi obrigada pelas circunstâncias a voltar à roleta. A necessidade de compensar o dano e o medo que o Covid-19 está e vai causar à economia e, principalmente aos mercados financeiros, levou a um corte de 50 pontos base na taxa de juro. Não resultou e o pânico continuou. Este domingo, novo corte, agora de 100 pontos base para levar a federal funds rate para perto de zero.

Mais do que isso, a Fed fez o all in, aquele movimento que vemos nos filmes, quando o jogador respira fundo e empurra as várias pilhas de fichas para a zona de apostas. Além do enorme corte no custo do financiamento, voltou ao vício mais perigoso, o QE, com pelo menos mais 700 mil milhões de dólares em compras, e outras medidas para apoiar a liquidez e a calma nos mercados.

O resultado parece ter sido o oposto. As medidas chamaram tanta atenção à emergência que provocaram o pânico, com toda a gente a querer fugir para sítios seguros, o all out.  Os índices em Wall Street afundaram entre 11,98% e 12,93%, na pior sessão desde 1987. Trump na véspera parecera muito feliz e previra entusiasmo nos mercados e uma aposta ganha pela Fed. Mas ontem já veio reconhecer que uma derrota, na forma de uma recessão, não é impossível.

As apostas da Fed não são feitas à toa, vão no sentido de minimizar os custos da guerra contra o vírus. Se Jerome Powell e companhia não tivessem agido podia ter havido ainda mais dano, um selloff maior.  O problema menor é que, tendo estas duas apostas falhado, a Fed fica com poucas fichas para o futuro e parece mais o primo europeu BCE, que olha para os problemas sem grandes opções.

O problema maior é que os investidores não sabem qual vai ser o dano que o coronavírus vai causar e portanto cada vez que ouvem um alarme entram em pânico. A Fed está apostar contra a casa, o desconhecido. Esperemos que, ao contrário do que acontece nos casinos, não seja a casa a ganhar.