Muito se tem falado da relação dos serviços de saúde com o doente e, mais genericamente, com o cidadão. Discutiu-se profusamente o agora aprovado Estatuto do Cuidador Informal, os hospitais do Serviço Nacional de Saúde desdobram-se em projetos de hospitalização domiciliária, de telemonitorização de parâmetros de saúde, de avaliação de resultados das intervenções hospitalares, entre muitas outras iniciativas de aproximação ao cidadão e simplificação da relação cuidador-doente.

De facto, os sistemas de saúde pressionados pelos custos crescentes e o aumento paralelo de necessidades, têm-se desdobrado em projetos capazes de aumentar a eficiência e a satisfação dos doentes.

Mas devemos considerar dois níveis distintos da relação cuidador-utente, designadamente a relação individual de cada um de nós com o seu médico e profissional de saúde e a relação coletiva de cidadania. Individualmente todos nos devemos transformar em doentes inteligentes, assumindo a nossa quota parte da gestão da nossa saúde ou da nossa doença. O ato de cuidar pressupõe uma partilha de informação e tomada de decisão, com o abandono de uma relação “paternalista”, em simultâneo mais exigente e responsabilizante para o doente.

Se tradicionalmente se entendia que os doentes não possuíam capacidade de avaliar e identificar falhas nos processos de prestação de cuidados, constitui hoje um facto inelutável que o utente é o mais perfeito detentor de informação sobre a qualidade dos cuidados, pois só ele vivencia a totalidade dos processos da prestação de cuidados.

Coletivamente a ação tem sido escassa, desorganizada e pouco eficaz, ultrapassando em muito pouco o papel das associações de doentes. Destaque para o movimento “MAIS PARTICIPAÇÃO. melhor saúde” e a aprovação pela Assembleia da República em julho da Carta para a Participação Pública em Saúde.

Contudo para que este desafio da participação do cidadão tenha sucesso, duas coisas terão de acontecer. Por um lado, uma mudança das capacidades relacionais dos profissionais de saúde e, por outro lado, uma melhoria da literacia em saúde dos cidadãos. Uma participação efetiva exige obrigatoriamente conhecimento e não pode funcionar nem como “arma de arremesso” ao serviço ou ao profissional de saúde, nem como uma relação esporádica do tipo cliente/prestador, sob pena de comprometer a confiança e a continuidade dos cuidados.

A participação do doente exigirá o envolvimento do doente através da sua capacitação, das suas famílias e cuidadores, de modo a que sejam verdadeiros agentes dos processos de saúde.

Contudo, Portugal continua a ter uma das mais altas percentagens de adultos sem o diploma do ensino secundário com 52 por cento dos portugueses sem completar este nível de ensino, percentagem muito longe dos 20 por cento da União Europeia e sendo este baixo nível de qualificação extensivo ao grupo etário dos 25-34 anos.

Esta situação será, com toda a certeza, um obstáculo ao sucesso da participação em saúde de forma eficaz e capaz de gerar ganhos para ambos os lados, o cidadão e o sistema de saúde. Uma gestão integrada e continuada da nossa saúde exige um efetivo envolvimento com maior acuidade nos portadores de doença crónica.

Urge promover a literacia em saúde como contribuição direta para uma maior e mais eficaz participação do cidadão na saúde, designadamente nas políticas públicas da saúde, na definição e gestão dos serviços de saúde, na investigação clínica e do medicamento e, ainda, na avaliação dos resultados.

Toda a sociedade pode e deve contribuir, fazendo-se um apelo a todos as entidades com atribuições formativas nas áreas da saúde e stakeholders, no sentido de assumirem um desafio social de abertura à sociedade civil, contribuindo em formatos e custos adequados, com iniciativas pedagógicas nas áreas da saúde e da cidadania responsável.