Durante os últimos anos a Itália foi governada por uma coligação estranha e espúria entre o movimento populista 5 Estrelas e a não menos populista Liga, sucessora da Liga Norte, liderada por Matteo Salvini.

No governo então formado, Salvini, líder do segundo partido da coligação governamental, ficou responsável pela importante pasta do Interior. Uma pasta sempre sensível, sempre relevante, sobretudo em Itália e, além disso e sobretudo, em tempo em que o desafio das migrações punha à prova a resiliência das insti­tuições políticas italianas, constantemente desafiadas pelas mafias que exploram o novo negócio do tráfico de seres humanos que pulula pelo Mediterrâneo.

Nos primeiros tempos da nova governação as coisas pareceram correr de feição a Matteo Salvini. A atitude dura assumida nos diferentes episódios da crise dos refugiados conferiu-lhe um património de aparente simpatia, sobretudo no domínio das redes so­ciais e da opinião publicada.

Estes dois elementos, porém, acabariam por ser fatais para o ministro Salvini. Fazendo uma interpretação errada dos sinais recebidos, quer da opi­nião publicada quer da opinião expressada ao nível das redes sociais, Salvini resolveu “esticar a corda” e apostar todas as fichas na queda do governo de que fazia parte, con­vencido de que esse seria o caminho natural para a convocação de eleições legislativas antecipadas – eleições essas onde as sondagens lhe davam suficientes indícios de que poderia vir a liderar o governo que delas emergisse.

Enganou-se e errou nas suas contas.

Se o roteiro do ministro Salvini era conhecido de antemão, há que concluir que a sua leitura da situação se manifestou completamente errada. Com a saída da Liga do go­verno de Roma, o Movimento 5 Estrelas acabou por engolir imensos sapos e acolher-se na proteção do Partido Democrático, contra quem, basicamente, havia nascido. E, contrariamente ao que seria previsível ou suposto, nasceu uma nova e improvável mai­oria parlamentar, capaz de sustentar maioritariamente um novo governo no Parlamento italiano.

As contas de Salvini saíram completamente furadas e, pelo seu instinto de so­berba, acabou arredado do poder e remetido para a oposição. O erro acabou por ter consequências positivas. Convenhamos – trata-se, no imediato e a curto prazo, de uma situação que se deve ter por benéfica e saudável para Itália e para a própria inserção de Itália no projeto europeu.

Para um projeto europeu que no presente se debate e permanece expectante sobre a forma como evoluirá essoutro desafio imenso que tem pela frente e que se chama Brexit, para o qual não se antevê uma solução a curto prazo. É expectável que nos tempos mais próximos se atenuem os diferendos existentes entre Roma e Bru­xelas, muitos deles potenciados por Salvini, pelos ministros da Liga e pelas opções orça­mentais que estes últimos preconizavam.

Por outro lado, esta solução encontrada em Itália diminui, também, a pressão populista existente no próprio espaço europeu. Sabe-se que Salvini e a sua Liga inspiravam de forma assaz notória uma série de movimentos e projetos que iam proliferando um pouco em diversas latitudes do Velho Continente. E a esse projeto ou a esse desiderato nem escapou o próprio Parlamento Europeu.

Há erros de avaliação e avaliações erradas que acabam por se revelar fatais para quem os comete. Este foi um desses casos. À distância, porém, cremos poder afirmar que ainda bem que a fatalidade ocorreu. A Itália e a própria União Europeia poderão beneficiar da sua ocorrência.