O relatório preliminar da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão política da tutela da TAP ficou aquém das expectativas no que toca ao apuramento da verdade. E ficou além das expectativas no que diz respeito à construção de uma narrativa que visa blindar os membros do Governo em todo este processo. As culpas, a existirem, são invariavelmente atribuídas à antiga CEO da TAP, aos advogados externos da empresa e ao anterior Executivo, liderado por Pedro Passos Coelho.
Aliás, esta “blindagem” de figuras chave do atual Governo e do PS chega quase ao nível do ridículo. Como é que se pode sustentar que não tenha existido interferência política na TAP, quando ficou demonstrado que a tutela sectorial intervinha em temas como a renovação da frota automóvel da companhia? Ou quando o secretário de Estado pediu à então CEO para dar um “jeito” com um voo do Presidente da República?
As incoerências e dúvidas que o documento de cerca de 180 páginas suscita são muitas, mas olhemos para nove pontos principais:
1.Não houve interferência política na gestão da TAP? Este ponto é muito questionável, porque os dois exemplos referidos acima demonstram que a tutela interferia no dia a dia da empresa. O facto de uma dessas iniciativas – a alteração do voo de Marcelo – não ter tido acolhimento por parte da TAP não significa que não tenha havido interferência. Simplesmente não terá produzido efeitos.
2. O caso de Frederico Pinheiro ficou de fora do relatório por alegadamente não se encontrar no âmbito da comissão. Mas esta comissão de inquérito é sobre a tutela política da gestão da TAP. O caso de Frederico Pinheiro não está relacionado com esse tema, tendo em conta as funções que desempenhava e o facto de o conflito no Ministério ter sido espoletado pelo facto de o referido adjunto do ministro ter participado numa reunião com a CEO da TAP para preparar a audição desta na CPI? Por outro lado, se não tinha nada a ver com este tema, porque chamaram Frederico Pinheiro à comissão?
3. A saída de Alexandra Reis deveu-se exclusivamente à vontade da CEO? Então e a vontade da própria Alexandra Reis? E a vontade do Governo? Foram meros espectadores? A culpa é só da CEO e dos advogados? Como é que a CEO pode tomar a “decisão” de demitir uma colega da administração? Apenas o acionista, neste caso o Estado, o poderia fazer. Quando a relatora afirmou, na Assembleia, que Pedro Nuno Santos deu o “conforto político” a uma “decisão da CEO”, está com certeza equivocada, porque a Christine Ourmières-Widener não podia demitir uma colega administradora. E o tal “conforto político” foi, de facto, uma decisão tomada pelo acionista Estado, que era a única entidade que podia demitir uma administradora da TAP.
4. O Ministério das Infraestruturas deu ‘OK’ mas desconhecia termos do acordo de rescisão? A CPI conclui, na versão preliminar, que o ministério então liderado por Pedro Nuno Santos foi informado no início e no fim do processo, dando ‘OK’ ao valor da indemnização, mas que desconhecia os termos. “Todavia, nem Pedro Nuno Santos, nem Hugo Mendes conheciam o clausulado do acordo”, refere. Mas conhecia os anexos do acordo, como se soube na audição de Hugo Mendes. Além disso, isso significaria que Pedro Nuno Santos autorizou um pagamento de meio milhão de euros sem conhecer os detalhes.
5. A nomeação de Alexandra Reis para a NAV não está relacionada com saída da TAP? A qualquer português custa muito a acreditar nisso, tendo em conta os timings e o facto de a pessoa que tomava a decisão, tanto num caso como noutro, ser o ministro das Infraestruturas.
6. O contrato de gestão inexistente é responsabilidade da administração da TAP? Sem contratos de gestão, não é possível fixar objetivos nem determinar o pagamento de remunerações variáveis aos administradores das empresas públicas. Segundo a versão preliminar, a culpa pelo facto de esse contrato não existir será da própria administração. Mas isso significa que o Ministério das Finanças não quer saber se existem objetivos definidos e uma remuneração variável definida nas empresas públicas? Deixa isso ao Deus dará? Até porque, como noticiou o JE, há pelo menos mais 12 empresas públicas na mesma situação.
7. A demissão da CEO e do Chairman da TAP foi feita de acordo com as regras? A versão preliminar refere que a CPI considera que o processo decorreu “de acordo com os normativos existentes” e que os visados tiveram direito ao contraditório, apesar de o anúncio público da demissão ter sido feito dias antes de o Ministério das Finanças pedir apoio à JurisApp para redigir a declaração que afastou os dois responsáveis. Esta conclusão é muito discutível e tanto a ex-CEO como o antigo chairman da TAP, Manuel Beja, vão argumentar na Justiça que os seus processos de despedimento foram conduzidos de forma ilegal.
8. Fundos Airbus: Este tema continua por explicar. E tudo indica que assim seja porque na prática foi uma forma de capitalizar a TAP que beneficiou não só o acionista David Neeleman mas também o próprio Estado e o outro investir privado, Humberto Pedrosa. Todos beneficiaram. Terá sido uma ajuda de Estado encapotada, para contornar as regras europeias? Fica a interrogação.
9. Os 55 milhões pagos a David Neeleman: o valor pago ao acionista privado para que este saísse da TAP foi resultado de uma negociação entre as partes, diz a versão preliminar da CPI, mas sem explicar de que forma foi esse valor calculado. Haverá alguma ligação ao tema dos fundos Airbus?
Esperemos que a versão final do relatório, que será aprovada no dia 13, possa ser mais equilibrada e esclarecedora. Mas os sinais que foram dados até ao momento, nomeadamente o facto de ter sido feita uma conferência de imprensa para apresentar um documento que ainda é preliminar, não são muito animadores.