Passou relativamente despercebido tanto na nossa opinião pública como na nossa opi­nião publicada o facto de, em finais do último ano, o presidente Emmanuel Macron ter aposto o seu veto à abertura das negociações da Comissão Europeia com a Macedónia do Norte e com a Albânia impedindo, assim, o início do processo de alargamento da União Europeia àqueles Estados balcânicos.

A decisão, conta-se nos corredores da eurocracia bruxelense, gerou perplexidade, apa­nhou de surpresa a generalidade dos restantes chefes de Estado e de governo da União, causando alguma ira em alguns deles e, naturalmente, também nos próprios Estados visados, igualmente apanhados de surpresa ao ser-lhes visto travado, pelo menos a curto ou médio prazo, o ingresso no restrito Clube dos, agora, 27 Estados-membros.

A própria Comissão Europeia, apanhada de surpresa, terá visto nesse veto a impossibi­lidade de concretizar uma das principais linhas fundamentais do seu programa de ação – Ursula von der Leyen propôs-se, no seu programa apresentado perante o Parlamento Europeu, contribuir para edificar “uma Europa mais forte no mundo” e a sua ampliação aos Estados balcânicos seria, supostamente, uma das formas de fortalecer e robustecer a União Europeia (UE).

O argumento básico do governo de Paris assentou no facto de França considerar que os Estados referidos não se encontravam preparados para a abertura das negociações de adesão, nomeadamente não cumpriam alguns dos critérios de Co­penhaga fixados em 1993. E, por outro lado, do lado comunitário, com um Brexit de futuro ainda incerto em andamento, a União defronta-se no presente com questões fundamentais bem mais urgentes para resolver, urgindo antes de mais rearru­mar a casa antes de partir para um novo processo de alargamento que, mostra-nos a história, são sempre fonte de instabilidade e de perturbação da vida interna comunitá­ria.

Os mais expeditos e os mais céleres a criticar a posição francesa foram os antigos presi­dentes da Comis­são Europeia e do Conselho Europeu. Jean-Claude Junker e Donald Tusk não perderam tempo a classificar o veto francês como um “erro histórico”. Eles lá sabe­rão que com­promissos haviam assumido com os Estados em causa. A prontidão das suas reações, porém, dá-nos um exemplo do mal-estar e da surpresa que o veto francês pro­vocou.

Passada a surpresa inicial, digerido o primeiro mal-estar resultante da decisão de Ma­cron, a Dinamarca e os Países Baixos (nova designação oficial da Holanda) acabaram por ver os seus parlamentos nacionais associarem-se à decisão francesa, ainda que limitando e circuns­crevendo as suas reservas ao caso albanês, essencialmente por receio do sur­gimento de uma nova crise migratória e da proliferação do crime organizado dentro do espaço eu­ropeu.

De entre as críticas mais ouvidas a esta posição francesa, depois secundada por dina­marqueses e holandeses, ouviu-se o argumento de que, deixando de fora da União estes Estados balcânicos, a União Europeia estaria a abrir as portas a que um triunvirato for­mado pela Rússia, pela Turquia e pela China pudessem aumentar de sobremaneira a sua influência económica e cultural naquela região europeia historicamente instável, berço de inúmeros conflitos de má memória, paredes-meias com a fronteira externa da União Europeia. Do ponto de vista geopolítico o argumento, prima facie, pode parecer proce­der e ter conteúdo.

Cremos, todavia, que uma análise mais fina e apertada do que está em causa poderá ilidir os receios expressos.

Desde logo – a adesão à UE não constitui o único instituto jurídico ao dispor da União para se relacionar com Estados terceiros e com Estados que a ela pretendam aderir. Há, nomeadamente, a possibilidade de se celebrarem acordos de associação que, não se traduzindo numa adesão plena ao clube comunitário permitam aos Estados con­tratantes irem-se aproximando gradualmente do universo comunitário, irem progre­dindo e melhorando a sua situação interna, os seus indicadores sócio-económicos e fi­nanceiros para, num momento posterior, poderem juntar-se de pleno direito aos atuais 27 Estados-membros da União.

Afigura-se, de resto, uma posição muito mais coerente, muito mais responsável e muito mais sólida do que aquela que, por exemplo, a União foi adotando ao longo dos tempos para com a Turquia – relativamente a quem nunca houve a coragem de recusar a abertura do dossiê de adesão mas que, na prática, com a sucessão de entraves que foram surgindo, cedo se percebeu que era uma posição pro­fundamente hipócrita e falsa. E uma posição que acabou por gerar na Turquia o senti­mento profundamente anti-europeu que ainda hoje domina a sociedade turca.

Andou, por isso, uma vez mais, bem Emmanuel Macron ao cortar cerce e de forma ina­pelável aquele que poderia ser mais um passo precipitado da Europa da União e dos seus principais líderes. Antes de encarar outros e novos alargamentos, a União Europeia deve concentrar-se em resolver os muitos problemas que tem pendentes e desarruma­dos dentro da sua própria casa. E, ao mesmo tempo, deve dar aos candidatos à adesão o tempo suficiente para se prepararem e cumprirem na íntegra os já referidos cri­térios de Copenhaga.

Se esta prudência tivesse sido tomada no passado, alguns alarga­mentos precipitados teriam sido poupados e muitos problemas teriam sido evitados. Por uma vez, pelo menos, através da postura e da firmeza de Macron, a União parece ter aprendido alguma coisa com a sua própria História.