Ao longo dos artigos das últimas semanas, tem sido recorrente o foco na acrescida complexidade, potencialmente geradora de situações de dupla tributação, com que os novos desafios da fiscalidade internacional nos presenteiam. Ora, os intervenientes no fenómeno da fiscalidade estão conscientes que complexidade é sinónimo de aumento da litigiosidade tributária e, também neste aspeto, existe um “investimento em curso” na procura de novos modelos de resolução de disputas tributárias internacionais.

As opções do contribuinte em face de disputas tributárias cross-border são várias, começando pelo Procedimento Amigável ou MAP (Mutual Agreement Procedure) presente nas Convenções para evitar a Dupla Tributação (CDT).

O MAP confere às autoridades competentes a possibilidade de intervir de modo a solucionar eventuais conflitos acerca da incidência ou não de impostos, no âmbito de uma CDT. No entanto, as últimas estatísticas da OCDE sobre MAP, ao indicarem tempos de espera de cerca de 30 meses em casos de preços de transferência e 17 meses em casos de dupla tributação, revelam a necessidade de reforçar os mecanismos de resolução de conflitos. No caso de Portugal, eram mais de 50 os MAP pendentes, a 31 de dezembro de 2017, com tempos médios de resolução perto dos 50 meses!

O recente trabalho preconizado pela OCDE vai obrigar, a breve trecho, que Portugal reforce áreas-chave do seu regime MAP, reduza tempos de resposta e ratifique a Convenção Multilateral (MLI). Aliás, a solução apontada pela Convenção Multilateral para a resolução de conflitos passa pela adoção obrigatória da arbitragem tributária, justamente para evitar que as medidas do BEPS não acabem por, elas próprias, promover casos de dupla tributação não resolvida.

Mais uma vez, a OCDE não está só no reforço destes procedimentos, vendo a própria agenda da UE a incluir, para além da importante Convenção de Arbitragem que cobre especificamente disputas de preços de transferência, uma nova Diretiva de Resolução de Litígios que vem resolver muitas das falhas do MAP em casos de dupla tributação.

Esta nova Diretiva, aplicável a partir de 01 de julho de 2019, abrange litígios de dupla tributação relacionados com todos os tipos de rendimentos de pessoas singulares e coletivas e prevê, essencialmente, três fases: Reclamação, MAP e Arbitragem (fase de resolução de litígios). A novidade essencial é a introdução de limites temporais em todas as fases e a possibilidade de o contribuinte poder participar na fase de resolução de litígios e recorrer a meios de resolução alternativa de litígios, como a mediação ou negociação, através da criação de uma comissão para esse efeito. A Diretiva vai ainda permitir aos contribuintes, em cada fase, obter uma resposta (favorável ou não), podendo inclusivamente recorrer judicialmente das referidas decisões administrativas.

Esta tendência para o reforço de mecanismos, bilaterais ou multilaterais, está também patente no recente lançamento do projeto-piloto International Compliance Assurance Program, no qual autoridades tributárias de alguns dos países da OCDE interagem diretamente com base nos relatórios de preços de transferência e outras informações tributárias disponíveis, no sentido de proporcionar maior segurança fiscal aos contribuintes.

É este novo contexto tributário, cada vez mais interconectado, no qual a partilha de informações tributárias está à distância de um simples clique, que obriga os contribuintes a ajustarem a estratégia de gestão de riscos tributários, saberem avaliar os prós e contras dos vários mecanismos de resolução de conflitos disponíveis (MAP, mediação, arbitragem e litígios judiciais) e, acima de tudo, esforçarem-se por construir um relacionamento aberto com as autoridades fiscais em cujas jurisdições se instalem.

Este novo paradigma também representa uma oportunidade para a Autoridade Tributária portuguesa, que, a nosso ver, deve encarar esta evolução como uma two way street, criando plataformas e mecanismos de comunicação com os contribuintes tendo em vista a redução da litigiosidade fiscal, sob pena destes esforços internacionais poderem perder muito do seu efeito útil.

 

Ao longo de dez artigos, o departamento fiscal da Garrigues aborda os principais desafios relacionados com o novo contexto da fiscalidade internacional. Trata-se de uma oportunidade para os leitores compreenderem melhor o contexto de uma fiscalidade cada vez mais transparente, mas também mais complexa e com custos de cumprimento elevados. Próximo Artigo – “Comunicação de planeamento fiscal – realidade aumentada?”