Se alguém ainda pensa que vivemos um teatro de sombras nas negociações do Orçamento do Estado (OE), desengane-se. A situação é negra e a qualquer momento pode a irracionalidade conduzir a uma crise política e eleições antecipadas de destino imprevisível e que podem trazer ingovernabilidade.

No meio de um furacão estão PSD e CDS com lutas pela liderança. No Caldas assistimos a uma elite do partido a tentar decapitar Francisco Rodrigues dos Santos que conseguiu a sobrevivência no rescaldo das autárquicas. A opção é simples: levar de peito aberto, como Nuno Melo deseja, o CDS ao combate eleitoral sujeitando-se a uma sova do Chega e IL e navegando rumo ao definhamento ou, como Chicão joga, tornar o partido numa muleta de coligação com o PSD evitando por mais uns dias a morte anunciada. Em ambos os cenários o destino é o mesmo: o enterro.

Do outro lado, o PSD, que é um partido predador, sente o cheiro a sangue. E assim, como manda o seu código genético, lá vem mais uma exibição de traições, punhaladas, golpes palacianos. Parece que Rui Rio não ganhou nada com o bom resultado das autárquicas e o avanço de Paulo Rangel fez-me recordar o movimento de tomada de poder no PS por parte de António Costa quando desfeiteou António José Seguro.

Mas sobretudo sente-se que o partido já estava noutra. A contagem de espingardas é matemática pura: com as distritais de Lisboa, Porto e Braga no bolso, o ex-eurodeputado tem uma enorme vantagem no terreno, por isso agora Rio volta-se para os militantes anónimos, “sem temer os directórios partidários”, o que dá para rir quando à sua volta tem dois dos melhores especialistas em controlo do aparelho, Salvador Malheiro e João Montenegro.

Aliás, a onda Rangel faz lembrar o arranque da campanha de Carlos Moedas em Lisboa, quando comentadores e opinião pública o viam como potencial cavalo ganhador. Rui Rio foi um líder que nunca conseguiu chegar às pessoas, um problema do próprio. Irá agora combater até ao fim, porém, é um homem, como há muito tempo escrevi, cada vez mais perdido e prisioneiro nos seus labirintos existenciais, por vezes incompreensíveis. Lá no fundo ainda sonha em ser o vice-PM de Costa, a sua costela alemã a falar.

O PSD é uma vez mais uma casa a arder. Com Rangel cheira a flores do poder, com Rio o perfume é de desespero. “É preciso convicção para matar alguém”, ouve-se na brilhante série coreana “My name”. E Rangel vem com “killer instinct” apurado. “Experimentei o poder e não posso desistir”, é frase atribuída a Napoleão Bonaparte que podia ser dita por Rio.

A enorme dúvida é qual o prazo de validade de ambos. Porque depois do que assistimos na cerimónia de tomada de posse da Câmara de Lisboa, que parecia a entronização de um novo imperador com a bênção de todos os papas, cardeais e eminências pardas sociais-democratas, os Novos Tempos do PSD serão um dia destes de Carlos Moedas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.