Na Assembleia da República,estão em discussão mais de 10 (dez!) projetos de diplomas legislativos. Destes factos resultam, pe lo menos, três corolários: (i) constante instabilidade legislativa em matéria laboral; (ii) fé inabalável do legislador na resolução dos problemas do mercado de trabalho através de leis, esquecendo inexplicavelmente o papel essencial que a Constituição reserva à contratação coletiva; e (iii) aparentemente, não é fácil resistir à forte tentação de me xer – e remexer – na legislação laboral.
A Lei n.º 28/2016, de 23 de agosto, alterou o Código do Trabalho pela 11.ª vez para alargar, de forma considerável, a responsabilidade por créditos laborais, encargos sociais e coimas com o objetivo de combater “as formas modernas de trabalho forçado”. Diga-se, em abono da verdade, que associar o trabalho temporário ou o ‘outsourcing’ ao trabalho forçado é uma manifestação de quixotesco desconhecimento da realidade e – mais estranhamente – do entendimento difundido pela Organização Internacional do Trabalho sobre esse tema: considera-se trabalho forçado “todo o trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente” (art. 2.º, n.º1, da Convenção OIT n.º 29). Neste âmbito, estão incluídas as situações em que as “pessoas são coagidas a trabalhar através do uso de violência ou intimidação ou por meios mais subtis, como acumulação de dívidas, retenção de documentos de identificação ou ameaças de denúncia às autoridades de imigração”.
Embora de uma forma que dá azo a uma profusão de dúvidas interpretativas, este diploma prevê a responsabilidade – ora subsidiária, ora solidária – das em presas, dos seus gerentes, administradores e diretores e das sociedades que com essas empresas se encontrem em relação de participações recíprocas, de do mínio ou de grupo, por créditos laborais, encargos sociais e coimas emergentes da atividade laboral que lhes é prestada através de empresas de trabalho temporário ou por organizações especializadas em serviços em regime de ‘outsourcing’.
Perante a falta de meios materiais e humanos da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), frequentemente referida, o legislador decidiu “privatizar” – sem aumentar a despesa do Estado, mas com custos elevados para as empresas –, a fiscalização do cumprimento da legislação laboral. Com efeito, transfere-se para a empresa utilizadora de trabalho temporário ou beneficiária de serviços especializados de ‘outsourcing’ a tarefa de controlar o cumprimento das obrigações laborais.
Em matéria de contraordenações, cumpre colocar a questão de saber se a ACT terá meios materiais e humanos que lhe per mi tam cumprir a sua função. Será que o legislador espera que a ACT promova apenas a ameaça – por exemplo, através de autos de notícia dirigidos a gerentes, administradores e diretores das empresas beneficiárias dos serviços –, deixando “para as calendas gregas” a decisão sobre o processo contraordenacional?
Por fim, devemos referir que, nos próximos tempos, podem surgir mais “novidades” laborais com origem na Assembleia da Re pública: (i) reforma a tempo parcial; (ii) aumento das férias anuais; (iii) parentalidade; (iv) tempos de trabalho (adaptabilidade e banco de horas); (v) contratação coletiva; e (vi) presunção de existência de contrato de trabalho. Segundo notícias recentes, o Governo está igualmente a preparar estudos para remexer na legislação laboral.
As empresas e os trabalhadores continuam, assim, no centro de um furacão legislativo periódico e com forte intensidade.
David Carvalho Martins
Docente universitário e advogado responsável pelo departamento de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo em Portugal