A COP28 aprovou por unanimidade uma declaração final que aponta para a “transição dos combustíveis fosseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a acção nesta década crucial, de forma a alcançar a neutralidade carbónica, em linha com as recomendações científicas” e, pela primeira vez, o papel da energia nuclear no clima é reconhecido oficialmente nesse mesmo documento.

A COP28 e as suas falácias

1. O abandono dos combustíveis fosseis…! Palavras a tilintarem agradavelmente e com a aparência de boas medidas, só que não passam de meras falácias, direi mesmo, de um embuste, pois se situam em contradição perfeita com as práticas em curso, em que somas enormes de dinheiro estão a ser investidas no gás natural, petróleo e carvão, mesmo nos países signatários.

O presente de Natal chegou, num belo embrulho, mas oco por dentro! Repito, sem radicalismos. Estamos perante um documento aprovado na COP 28 que semeia ilusões, um verdadeiro logro no que toca às energias de origem fóssil.

Dois ou três exemplos entre muitos. A Chevron, um dos grandes grupos mundiais de energia, especialmente petróleo, com sede nos EUA, avança com 53 mil milhões de dólares na aquisição de uma empresa especializada em fracking. O fracking, como se sabe, é uma técnica de perfuração para exploração de gás de xisto que contamina os lençóis freáticos, consome elevada quantidade de água, produz elevada quantidade de gás de estufa e está provado que, em certas circunstâncias, pode desencadear efeitos sísmicos e doenças graves como o cancro.

A ExxonMobil [1] também está a perfurar os subsolos do Canadá e Austrália na procura de gás e petróleo de xisto, prevendo investir, só na Austrália, a quantia de 50.000 milhões de dólares e não nos podemos esquecer que o governo do Reino Unido já manifestou por várias vezes, recentemente, a intenção de reiniciar as perfurações no Mar do Norte para a exploração de petróleo.

A tudo isto há a juntar os milhões e milhões de subsídios que, no Mundo, são concedidos, sob todas as formas, para que estes grandes grupos energéticos continuem a explorar os combustíveis fósseis e ainda que esses grupos pensam o petróleo e o gás com futuro a muito longo prazo.

Nada disto é compatível com a declaração subscrita apesar do pouco que diz.

2. Os combustíveis fósseis continuam a representar 82% do consumo mundial de energia primária e, em 2023, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), foi atingido o pico máximo de consumo de carvão no Mundo e para 2024 antevê-se um recorde na produção de petróleo.

O aumento do consumo de carvão está centrado na Ásia onde a Índia e a Indonésia apresentam crescimentos acima de 8% e a China, o maior consumidor mundial com taxas de crescimento da ordem dos 4,9%, embora com um programa a prazo entre renováveis e nuclear para ir substituindo as centrais a carvão.  A Índia, pelo contrário, tem grandes projectos para continuar a implantar centrais a carvão.

Acrescente-se que este ramalhete fica perfeito quando o ministro alemão das finanças tem vindo a solicitar, a nível da UE, o abandono da meta de eliminação gradual do carvão até 2030, porque a Alemanha não consegue desligar as suas centrais a carvão, entre elas as 26 que accionou, aquando da crise do gás russo, usando linhite, em muitas delas, um tipo de carvão de fraca qualidade, mais nocivo em termos de gás com efeito de estufa.

3. Há quem tenha uma visão mais suave e se dê por muito satisfeito porque o acordo acrescentou ao carvão que já vinha de antes, o petróleo e o gás natural, apesar de tudo ter ficado no vago e sem qualquer carácter de obrigatoriedade.

E o mais grave é que embora alguns, eventualmente bem-intencionados em avançar, não tinham argumentos porque faltavam as medidas sustentadas para implementar essa substituição.

O que é que significa anunciar o triplicar das energias renováveis até 2050, como se afirmou? Como se faz no terreno? Nada esboçado. Portugal também alinhou nessa onda. Imagino algumas autoestradas portuguesas ocupadas por painéis fotovoltaicos!

O papel da energia nuclear contra o aquecimento global finalmente reconhecido

4. Pela primeira vez, a energia nuclear é reconhecida como fazendo parte da solução na luta contra o aquecimento global num documento final de uma COP.

Em minha opinião, é um dos poucos passos positivos a realçar na COP28. Um marco importante e um resultado merecido pelas diplomacias dos EUA e França, que há anos trabalham para passar esta ideia nos grandes eventos internacionais e, finalmente, conseguiram o registo.

Macron (presidente de França) e John Kerry (representante americano à conferência) tiveram intervenções frontais na COP28 sobre a nuclear, afirmando este último: “a realidade é que não podemos alcançar a neutralidade de carbono até 2050 sem a nuclear”.

Também 22 países na COP 28 se pronunciaram pela nuclear, mas caíram na armadilha de imitar os defensores das renováveis afirmando que vão triplicar a capacidade existente até 2050, também sem projectos.

Este registo sobre a energia nuclear é importante, mas não podemos deixar de anotar que nos documentos oficiais continua a ser secundarizada na linguagem e por ausência face às renováveis. Ainda não lhe é concedida a maioridade nem o lugar que deve, no mínimo, situar-se em plano de igualdade.

Sabemos bem o porquê desta discriminação. Ainda continua desmedida a influência das grandes organizações ambientalistas tradicionais (tipo multinacionais do poder!) que não levam em conta os avanços da ciência

As dúvidas/desconfiança nas COP

5. Mais de uma vez tenho colocado dúvidas sobre estas Cimeiras que duram duas semanas quando não mais, reúnem uma variedade de pessoas e organizações de interesses muito antagónicos (autoridades governamentais, cientistas, representantes da sociedade civil dos países membros da Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) com o fim mítico de debater causas e efeitos das mudanças climáticas e encontrar soluções para as mesmas.

As diferentes dúvidas persistem. Desde as que apontam estarmos perante um “teatro enganador”, “um palco de vaidades”, pouca “fundamentação” técnica e cada um com a sua, e sobretudo uma dúvida de fundo tremenda:  Não será que as COP são mais uma “plataforma de cartelização” de interesses a nível mundial e não propriamente um encontro para os fins nobres que dizem defender?

Infelizmente, à medida que vou fazendo leituras sobre as COP aprofunda-se esta minha dúvida. Isto é válido também para as grandes organizações ambientalistas. Felizmente nesta COP28 participou um grupo de 70 jovens de forma organizada que iam às mesas questionar as “sumidades” e algumas até merecem esta designação sobre certas matérias entre elas a energia nuclear.

Esta forma de participar merece uma elevada nota positiva. Talvez com participações deste tipo se revolucione o funcionamento e se rompa a plataforma de cartelização dos interesses reinantes nas COP e se promova o objectivo que uma das jovens organizadoras referiu que é as pessoas se interrogarem. Será que “eu sei o suficiente para me posicionar em relação à energia nuclear e seu papel no clima?”. Ora, esta mesma questão deve ser colocada para as energias renováveis.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

[1] Anuncia perfuração na bacia do Namibe (fronteira Angola/Namíbia) para o último trimestre de 2024 para ensaio de exploração petrolífera de médio e longo prazo (Expansão 18-12-2023).