Na mitologia grega, Pandora, criada por Zeus como forma de vingança após Prometeu ter partilhado o segredo do fogo com os homens, é enviada à terra na posse de uma caixa que jamais deveria ser aberta. Pandora, não resistindo à curiosidade, abriu-a, libertando todos os males então desconhecidos pelos homens.
Há dias, o Parlamento Europeu abriu também ele uma verdadeira caixa de Pandora ao votar a favor da classificação de certos investimentos no gás fóssil e no nuclear como sustentáveis, deitando por terra as boas intenções e a ambição contidas, por exemplo, no Pacto Ecológico Europeu.
A soberania e da transição energéticas encontram-se há muito no centro das preocupações internacionais. A invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin incrementou o clima de incerteza e gerou “uma nova crise” na zona euro. Uma crise com consequências imprevisíveis ao nível de uma nova ordem mundial. Muito por pressão do atual ambiente geopolítico – ou tirando dele proveito –, o Parlamento Europeu vem pôr em causa os objetivos climáticos europeus.
A proposta votada configura um retrocesso no objetivo de redução da utilização de gás fóssil, responsável por elevadas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), e um incentivo à construção de novas centrais, aumentando a dependência energética da União Europeia.
Avançando tal proposta, a partir de 2023, as atividades económicas ligadas ao gás natural e à energia nuclear poderão ser financiadas e subsidiadas por via de fundos europeus, comprometendo o investimento em soluções verdadeiramente sustentáveis e capazes de conduzir à autonomia energética dos Estados-membros. Caminho sucessivamente adiado, apesar de fundamental para o combate às alterações climáticas.
Aberta fica também a porta à expansão da energia nuclear no mix energético, a qual, mesmo no atual clima de incerteza, não deve (nem pode!) ser entendida como uma opção segura e ambientalmente sustentável, não quando ainda pagamos a fatura de Chernobyl e de Fukushima ou quando recentemente ficámos em suspenso com o ‘incidente’ bélico em Zaporizhzhia.
Acresce que, do ponto de vista ambiental, os combustíveis nucleares são responsáveis pela produção de resíduos tóxicos, altamente radioativos, para os quais não se conhece nenhuma solução tecnológica definitiva, segura e comercialmente viável que possa assegurar o seu tratamento, utilização ou eliminação.
Por outro lado, a energia nuclear, não só se tem revelado mais cara do que as renováveis, como emite duas vezes mais carbono do que o solar fotovoltaico e seis mais do que a eólica. Além disso, só com um aumento da produção de energia nuclear em todo o mundo se obteria uma mera redução de 4% das emissões de GEE, valor muito aquém do necessário ao combate às alterações climáticas e que implicaria a construção anual de 37 novas grandes centrais nucleares até 2050!
Tal como no mito de Pandora, resta-nos a esperança de que a ciência climática e o bom senso vinguem e que as instituições europeias deem a mão à palmatória e retomem o caminho rumo a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável, deixando de querer pintar como verde aquilo que nunca o será.



