Depois de anos a fio a gastarmos o que não tínhamos produzido, depois de termos sido forçados a apertar o cinto pelas instituições financeiras internacionais, depois de um duche gelado nos ter despertado para a realidade entre 2011 e 2015, eis novamente o manto da fantasia a cobrir a realidade política portuguesa. Perspetiva-se uma onda reivindicativa, indiferente ao estado real da economia, como se Portugal navegasse no melhor dos mundos e a palavra crise tivesse deixado de figurar no nosso dicionário. Como se não tivéssemos aprendido nada com as duras lições do passado recente.
Certas forças partidárias parecem apostadas em contrariar o mais elementar bom senso, como se perdessem a noção do país onde vivem. Num dia, reivindicam o aumento imediato do salário mínimo para 600 euros – à margem da concertação social, se for preciso. Noutro dia, exigem a ampliação de 22 para 25 dias úteis do período obrigatório anual de férias. Noutro ainda, não satisfeitas com a reposição dos quatro feriados que haviam sido suspensos, lembram-se de conceder à terça-feira de Carnaval o estatuto de feriado nacional que nunca teve.
Acontece que todas estas medidas, caso fossem postas em prática, iriam prejudicar aquela que deve ser a prioridade máxima de qualquer governo no capítulo laboral: criar novos postos de trabalho. Isso só é possível com investimento. E os investidores são repelidos por sucessivas alterações ao quadro legal vigente, que dão de Portugal a imagem de um país conduzido em navegação costeira ou à vista.
Convém, porém, que não desprezemos a bússola… As profundas debilidades estruturais da nossa economia não deixaram de existir com o fim do programa de resgate a que o País se submeteu na primavera de 2011. Pelo contrário, subsistem. E ameaçam a sustentabilidade da estratégia que tem vindo a ser posta em prática por António Costa.
Segundo estimativas credíveis, a economia nacional terá registado uma tímida expansão de 1,2% em 2016 – abaixo dos 1,6% ocorridos no ano anterior. Mesmo assim, isto só se tornou possível através da política de muito intensa aquisição de ativos (´quantitative easing´) do Banco Central Europeu de que tem vindo a beneficiar a dívida pública portuguesa, mas que, provavelmente, cessará em 2017. Entretanto, Portugal foi um dos poucos países da União Europeia que não conseguiram baixar o pesado fardo dos juros em relação ao PIB (4,3%). E a nossa dívida mantém a mais elevada taxa de juro implícita da zona euro (3,5%).
Convém, então, não brincarmos com coisas sérias. Torna-se imperioso atrair o investimento externo em vez de afugentá-lo. Ninguém consegue distribuir o rendimento que não existe. Por mais teorias que se inventem, esta é uma realidade incontornável.