O parlamento francês aprovou uma lei que acaba com o “pai” e a “mãe” nos livros da escola e passa a haver o “parente 1” e o “parente 2”. Acho mal. Tira o encanto e carinho daquela que é a relação social mais básica, mais estável e mais importante numa sociedade. Mas talvez seja essa a razão, passarmos a ser todos números, e ver as coisas – viver a vida – de forma fria e desapaixonada.

Os proponentes da iniciativa justificam-na com eliminar uma inaceitável discriminação contra os casamentos do mesmo sexo – quem seria o pai e quem seria a mãe, no caso daqueles que tivessem filhos? Os que estão contra a iniciativa dizem que desumaniza a relação parental e abre a discussão sobre quem é o “parente 1”. Estão todos a ver apenas a árvore e a falhar a floresta. Na verdade, isto é mais um passo no caminho do “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley.

Vejamos alguns problemas práticos. Porquê parar aqui? O problema é exatamente o mesmo quanto ao “tio” e à “tia”. Nada mais simples, seriam o “parente 3” e o “parente 4”. O meu cunhado e quem quer que vivesse com ele seriam o “parente 5” e o “parente 6”. A prima Marisa passaria a ser o “parente 37” e assim sucessivamente. Só desta forma se acabaria verdadeiramente com a discriminação, com a vantagem adicional de que a olhar para os números se tem uma visão instantânea da estrutura da família.

Teremos também definições únicas e precisas: por exemplo, uma família grande é aquele que vai além do “parente 345”; um parente afastado é aquela cujo número ultrapassa 60; e muitas outras poderemos criar.

Claro que isto cria alguns problemas, mas que são fáceis de resolver. Quando o João Manuel, que passaria a ser o “parente 72” se casa, a mulher deveria ser o “parente 73”, mas esse lugar já está ocupado por aquela que é hoje a prima Ernestina. Nada mais simples, seria temporariamente o “parente 72A”. Quando alguém morrer, todos os números que estão para a frente sobem uma posição e o problema é regularizado nessa altura.

Infelizmente, não vamos poder ficar por aqui. O meu irmão e a mulher, os “parente 7” e “parente 8”, na família deles serão o “parente 1” e o “parente 2”. Portanto, cada um de nós teria imensos números parentais, e a confusão seria terrível. A prazo teremos todos que ter um número único, tipo cartão do cidadão, e acabar com o pai, mãe, tio, etc. Os parentes seriam o 432137229 e o 396234101. Ou seja, voltamos à revolução cultural chinesa, quando os chineses eram tantos que em vez de nome tinham número, e em vez de “parente” era “camarada”. Na altura o presidente era o “camarada Nove-Sete-Um”.

Se toda esta discussão à volta dos parentes 1, 2, etc.,  vos parece estéril e uma perda de tempo, é porque é. Mas é melhor que os deputados se entretenham com isto do que a aumentar-nos os impostos.