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Nuno Espírito Santo: “Os ativos do Novo Banco representam menos de 15% dos ativos geridos pela Finsolutia”

Os deputados questionaram a ligação de Nuno Espírito Santo a Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, que respondeu que os avós eram irmãos, e realçou que tem 49 primos direitos pelo que não era especialmente próximo do banqueiro.
  • Nuno Espírito Santo
4 Maio 2021, 14h01

A Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução ouviu hoje a Finsolutia, empresa de gestão de créditos, liderada por Nuno Espírito Santo Silva, que foi uma das entidades (servicers) que assumiu a gestão da carteira de 8.726 ativos que foram alienados pelo Novo Banco à entidade norte-americana Anchorage Capital Group (Projeto Viriato), no valor de 716,7 milhões de euros, em 2018, e em 2019 assumiu a gestão de outra carteira de activos imobiliários (Projecto Sertorius), no valor de 487,8 milhões, a entidades detidas por fundos geridos pela Cerberus Capital Management, sediada em Nova Iorque.

“Estas duas carteiras representam menos de 15% dos ativos que a Finsolutia gere”, disse o CEO da empresa de servicer. “Nós temos mais uma carteira que é o Albatroz”, lembrou o gestor que acrescentou que “temos transações muito mais relevantes, com muito maior dimensão e expressão. Em Portugal gerimos um conjunto de ativos muito superior que tem origem noutros bancos. Alguns dos concorrentes que ganharam as carteiras dos outros bancos portugueses fazem a gestão com a Finsolutia”.

“Nós não fazemos avaliação, ajudamos a coordenar o projecto na fase da compra e a gerir os stakeholders (avaliadores, advogados). Mas não sabemos por quanto é que os fundos [com quem a Finsolutia está a trabalhar] compram. Nunca temos a informação sobre o valor de compra de cada ativo. Nós somos depois contratados para maximizar o valor, para vender ao melhor preço possível no menor tempo possível e ao menor custo possível”, disse.

“Fazemos uma estimativa do valor das vendas dos ativos e é sobre essa estimativa que estimamos as nossas receitas”, explicou. “Isto não tem umas rentabilidades estratosféricas, tem uma rentabilidade ajustada ao perfil de risco”, explicou o gestor especializado na gestão de carteiras de ativos improdutivos.

Nuno Espírito Santo Silva explicou que “quem compra as carteiras incorre em custos muito elevados, desde a avaliação, à venda, e depois tem uma rentabilidade associada. Isto são ativos com muita rotação e é um mercado altamente competitivo. Mesmo os nossos fees são negociados ao centavo”.

“Do que tenho visto as transações que o Novo Banco tem feito [destes ativos problemáticos] são feitas de forma idêntica a qualquer outro banco e em qualquer outro mercado”, disse, acrescentando que para além de Portugal a Finsolutia também opera em Espanha. “Não vejo de forma alguma uma prática diferente entre o que faz o Novo Banco e aquilo que se faz, quer em Portugal, quer na Península Ibérica”, afirmou.

“Sou totalmente alheio ao projecto de decisão do Novo Banco [de escolha do concorrente para vender os ativos tóxicos]”, explicou ainda o gestor aos deputados.

O CEO da Finsolutia foi ainda questionado sobre as cinco sociedades imobiliárias vendidas por António João Barão ao fundo Anchorage comprador da maior carteira de imóveis do Novo Banco.

O gestor da Finsolutia explicou que os impostos sobre imóveis têm de ser pagos no país onde os imóveis estão sediados. “Há desvantagens grandes em deter os imóveis por sociedades não residentes”.

A operação de compra dos imóveis que o Novo Banco tinha em carteira por dação de cumprimento de créditos incobráveis foi feita através de um veículo da Anchorage no Luxemburgo, que depois comprou cinco sociedades imobiliárias portuguesas, que tinham sido criadas nesse último ano. Esta operação dá benefícios fiscais ao nível do IMT – Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis.

Recorde-se que, numa audição anterior nesta CPI, foi ouvido António João Barão que explicou que foi contactado pelo escritório de advogados Morais & Leitão para saber se tinha em seu nome empresas imobiliárias que pudesse ceder para um cliente (o negócio de venda das sociedades à Anchorage). As sociedades foram usadas para adquirir os imóveis da carteira Viriato em Portugal.

O Código do IMT tem prevista a aplicação de uma isenção para as situações em que os sujeitos passivos pretendam adquirir imóveis para revenda.  Esta isenção só válida se os imóveis adquiridos forem revendidos no prazo de três anos.

Estas sociedades são uma prática do mercado nas operações de compra de imóveis (problemáticos) aos bancos e, tal como revelou o deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, tem a ver, não com uma isenção de IMT, mas com um diferimento de três anos. O prazo de liquidação da carteira “será de quatro ou cinco anos”, explicou o deputado na sua questão a Nuno Espírito Santo.

O gestor confirmou a questão fiscal da operação. “Passados os três anos acaba a isenção e tem de se pagar todo o imposto dos três anos para trás. Por isso os prazos de venda são apertados. Estes ativos, quando são vendidos, não podem ser vendidos para revenda, “porque se alguém comprar para revender então tem de se pagar à data o IMT e o IMI”. “Não pode haver vendas sucessivas durante esse período sem pagamento de impostos”, explicou

“O enquadramento legal e fiscal foi legislado nesta casa [Assembleia da República]”, respondeu Nuno Espírito Santo ao deputado do PCP, Duarte Alves, que disse que estas sociedades “servem para dar borla fiscal”.

Os deputados questionaram ainda o CEO da Finsolutia sobre o crédito que o Novo Banco deu depois às sociedades portuguesas indiretamente detidas pelo Anchorage. António Ramalho já confirmou publicamente que esta operação foi enquadrada por um empréstimo denominado ‘vendor loan’, um empréstimo que tem os imóveis como hipoteca.

“O credor não tem direito a ficar com a casa de volta, tem direito a ficar com os proveitos da venda da casa decorrente de uma execução”, disse o gestor.

Os deputados insistiram em saber a identificação dos “últimos beneficiários efetivos” da Anchorage, que tal como já foi noticiado tinha nas suas estruturas de propriedade feeder funds e master funds sediados em jurisdições offshore tais como Ilhas Caimão e Delaware. O objetivo dos deputados é saber se há partes relacionadas com a Lone Star, o acionista do Novo Banco com 75%, que já várias vezes desmentiu categoricamente.

“Nós somos os prestador de serviços para as sociedades imobiliárias portuguesas e dentro desse processo temos de cumprir com todas as regras”, explicou.

A carteira, designada Projeto Viriato, era composta por ativos imobiliários com usos residencial, estacionamentos, industrial, comercial e terrenos e a venda pelo Novo Banco teve um desconto de 45% face ao valor contabilístico bruto do portefólio (716,7 milhões de euros).  O Projecto Viriato era composto por 5.552 imóveis divididos em 8.719 frações e foram vendidos por 364,1 milhões de euros, e inicialmente foi revelado que tinha provocado perdas de 159 milhões de euros para o Novo Banco. Mas os deputados dizem agora que esta operação feita por 364 milhões de euros, gerou perdas de 270 milhões de euros para o Novo Banco.

Após a concretização da venda, a gestão deste portfólio começou por ser realizada pela Lace Investment Partners e “uma equipa de ‘servicers’ de referência em Portugal na gestão deste tipo de ativos”.

Esta Lace Investment entregou a gestão da carteira a duas entidades: à Finsolutia, uma sociedade de gestão e recuperação de créditos que tem como presidente e fundador Nuno Espírito Santo Silva, e à Hipoges, que gere ativos avaliados em mais de 12.000 milhões de euros (dos quais 3 mil milhões em Portugal).

A escolha do Fundo Anchorage no concurso lançado já foi explicada pelo Novo Banco que justificou que a escolha recaiu sobre a norte-americana Anchorage Capital Group, por diversos fatores, nomeadamente pelo facto de esta empresa ter “realizado um processo de due diligence mais exaustivo”, e ter “apresentado uma Equity Commitment Letter mais completa e com menores riscos de execução”.

Em 2019 a Finsolutia foi também o servicer do fundo Cerberus que comprou outro portfólio de imóveis, designado “Projecto Sertorius”, no valor de mais de 400 milhões de euros ao Novo Banco.

A carteira é composta por terrenos não edificados e alguns activos imobiliários industriais, mas também imóveis residenciais e comerciais, a maioria localizada nos distritos de Lisboa e Setúbal. Integra 195 imóveis agregados, que se traduzem em 1.228 unidades individuais, com usos industrial, comercial, terrenos e residencial, incluindo estacionamentos, segundo o banco, disse na altura em comunicado.

No dia 7 de agosto de 2019 o Novo Banco vendeu por 159 milhões de euros este lote de 195 propriedades agregadas a sociedades detidas indiretamente pelo fundo norte-americano Cerberus, que as adquiriram com um desconto de 67,9%. O valor bruto contabilístico da carteira de ativos imobiliários era de 487,8 milhões de euros foi baptizada de “Project Sertorius”. O negócio implicou uma perda de 328,8 milhões de euros em relação ao valor dos ativos registados no banco.

No mesmo ano o Novo Banco anunciou que a sua sucursal espanhola celebrou um contrato de compra e venda com a também americana Waterfall Asset Management. A carteira de ativos imobiliários e crédito não produtivo tinha um valor bruto contabilístico, a nível consolidado, de 308 milhões de euros, e o valor de venda da carteira ascendeu a 98,7 milhões de euros.

A venda de ativos tóxicos do Novo Banco tem sido escalpelizada pelos deputados nesta comissão de inquérito.

Nuno Espírito Santo criou a Finsolutia em 2007, através de uma junção entre o UBS Investment Bank, o Banco Espírito Santo Investimento (BESI).

“Nós tínhamos dois investidores, um era o BESI, através de uma sociedade deles, e o outro a UBS”, explicou, acrescentando que a UBS (primeiro investidor) “trouxe negócio” e que o BESI, que financiou a criação da sociedade, “não trouxe negócio”. A relação com a UBS vem da sua relação profissional em Espanha.

A Ongoing Strategy Investments foi também investidor da sociedade Finsolutia.

Até ao final de 2006, Nuno Espírito Santo Silva trabalhou na sede do BES, como diretor de recuperação de créditos do banco que em 2014 foi alvo de uma medida de resolução, e foi também administrador da ES Capital, a private equity do BESI até 2009 ou 2010.

Os deputados questionaram a ligação de Nuno Espírito Santo a Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, que respondeu que os avós eram irmãos, e realçou que tem 49 primos direitos pelo que não era especialmente próximo do banqueiro, existindo aliás uma substancial diferença de idade entre ambos.

 

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