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Nuno Vasconcellos diz que levou private equity para comprar dívida da Ongoing ao Novo Banco por 100 milhões

“A dívida ao BES quem tem de a pagar é a Ongoing, não sou eu”. Sobre a dívida ao BES disse que “foi provisionada”. Foi praticamente tudo o que foi dito numa audição de menos de uma hora.
20 Maio 2021, 19h34

Numa das audições mais curtas de sempre, a audição ao ex-dono da Ongoing, empresa que deixou uma dívida ao Novo Banco de 520 milhões, Nuno Vasconcellos revelou que levou um private equity inglês a tentar comprar a dívida da Ongoing ao Novo Banco, muito antes da insolvência da empresa dona do Diário Económico em 2016, por 100 milhões e que isso foi recusado.

Durante a audição revelou que “quando a nova equipa tomou conta do Novo Banco pediram-me para ir comprar os créditos da Ongoing. Eu arranjei um financiador e fui Londres e trouxe um dos private equity a Portugal que ofereceu mais de 100 milhões pelos créditos da Ongoing. Isto não incluía nem ações da Portugal Telecom, nem as ações do BES, incluía apenas as empresas. Na altura o Novo Banco não aceitou. Mas então esses ativos começaram a deteriorar-se. É a história que todos os credores têm do desastre que foi feito ao BES, que na minha opinião nunca se devia ter tornado Novo Banco. Foi um desastre completo e uma péssima decisão que o Governo da altura fez”. Nuno Vasconcellos criticou assim a resolução do BES e a criação do Novo Banco. Uma opinião que foi partilhada já publicamente por Ricardo Salgado.

Nuno Vasconcellos foi ouvido a partir do Brasil na comissão de inquérito. A Ongoing foi um dos  maiores devedores ao Novo Banco, com dívida de 520 milhões de euros que foi provisionada pelo BES, segundo revelou o empresário.

Começou por, numa introdução inicial dizer que “Não tenho nada a esconder. Não agi de má fé e não posso ter o meu nome entre os responsáveis por levar Portugal à mais grave crise da sua história recente”.

A deputada do Bloco de Esquerda começou o inquérito a falar de um pedido da insolvência culposa do BCP contra o empresário. “A dívida que tem com o Novo Banco são 600 milhões de euros e a dívida que tem na banca portuguesa ultrapassa os 1.000 milhões de euros. Só a dívida da Ongoing Strategy Investments soma 520 milhões de euros ao Novo Banco”, disse a deputada.

“A dívida ao BES quem tem de a pagar é a Ongoing, não sou eu”, disse o empresário em resposta à deputada Mariana Mortágua depois de uma crispação entre ambos.

Sobre o facto não conseguir ser contactado, o empresário lembrou que não tem morada em Portugal há mais de 10 anos e que “declaro impostos no Brasil”, lembrando que o fisco português o contactou.

Inicialmente o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução não conseguiu contactar Nuno Vasconcellos, mas posteriormente o advogado do empresário em Portugal contactou a Comissão.

Como Mariana Mortágua começou por falar da dívida do empresário ao BCP. Nuno Vasconcellos respondeu que a Ongoing não tem nenhuma dívida ao BCP. “Essa dívida foi comprada e regularizada. Inclusivamente eu tenho uma carta do gestor de falência da Ongoing a dizer que a dívida ao BCP, que era de 290 milhões de euros (começou por 400 milhões e ao fim de três ou quatro anos foram pagos cerca de 120 a 130 milhões de euros), depois do pedido de insolvência foi comprada por cerca de 80 milhões de euros em troca de dois ativos que foram entregues pelos acionistas, que não estavam dentro do balanço da Ongoing”.

“A dívida que muito se fala [dívida global] não é essa (1.000 milhões de euros), está no relatório da insolvência da Ongoing, é de 721 milhões, dívida total que inclui dívida à segurança social, a alguns trabalhadores que infelizmente não foram pagos, alguns fornecedores, há dívida aos bancos (ao BES sobretudo que era o maior credor) que ficou com uma dívida de 520 milhões de euros com juros”, disse Nuno Vasconcellos que corrige a deputada dizendo que “quem tem de pagar é a Ongoing. A pergunta deve ser feita à Ongoing”.

Havia garantias e 70 milhões que ficaram no BES

O dono da Ongoing (que detinha o Diário Económico) contou que “em 2014 o Banco de Portugal obrigou o Banco Espírito Santo a provisionar mais de 80% dessa dívida. Portanto, cerca de 420 milhões de euros ficou por provisionar. Uma operação que estava em curso era a venda das ações da Impresa, que foram vendidas por cerca de 50 ou 55 milhões de euros e havia uma dívida de cerca de 25 milhões de euros em capital e cinco milhões em juros acumulados, portanto 30 milhões que pagámos”.

“Na altura os diretores do BES chamaram-me por que o BdP estava a apertar muito com o banco, porque havia a previsão que as ações do BES não iram valer nada. Pediram para eu vender dois ativos que nós tínhamos. Um era as ações da Impresa, e também uns ativos da Ongoing que não estavam penhorados por nenhum banco, as ações da PT Multimédia, da ZOPT, essas ações foram vendidas por cerca de 70 milhões de euros e o BES pediu-me para eu deixar esse dinheiro num depósito numa conta do banco, em que ficava dada como colateral de garantia para aquilo que faltava provisionar que era cerca de 100 milhões. Estamos a falar de uma dívida de 520 milhões, provisionada em 420 milhões tendo ficado por provisionar 100 milhões. Os 70 milhões de euros ficaram no banco”, disse o empresário. A resolução do BES e criação do Novo Banco ocorreu nesse ano a 3 de agosto.

“A dívida foi provisionada, mas os ativos existiam e estavam lá. Eu tenho um relatório de auditoria que foi feito no final de 2013, da Ongoing que tem uma avaliação feita de mais de mil milhões de euros em ativos. Estamos a falar de terrenos, de ações de diversas empresas, como Zon (PT Multimédia), e ativos imobiliários”, disse.

Em 2012 a Ongoing tinha ativos de 1,3 mil milhões de euros e uma dívida de 1,1 mil milhões de euros, o que quer dizer que nunca teve nada a não ser comprado com dívida dada por Ricardo Salgado, atalha Mariana Mortágua.

“Na data em que a Ongoing Strategy abriu insolvência que foi em 2016, devia ao Novo Banco 520 milhões de euros e esse valor não foi pago”, insistiu a deputada que reforçou que essa dívida não tem garantias correspondentes. Nuno Vasconcellos desmente Mariana Mortágua dizendo que “tem garantias e posso dizer quais são”. O empresário diz ainda que acedeu a todas as exigências dos dois bancos credores, BES e BCP.

“BCP é um grandessíssimo mentiroso”

Mariana Mortágua volta a insistir na insolvência culposa do BCP, e Nuno Vasconcellos responde não ter conhecimento disso e diz mesmo “se o BCP me acusa disso é um grandessíssimo mentiroso, porque eu tenho inclusivamente e-mails para o presidente a dizer que não tenho garantias para dar, eu dei um aval pessoal meu de 10 milhões de euros para cobrir juros, e muito mais tarde fui com o presidente do Banco Pactual a pedido do presidente do BCP, apareci lá com o CEO do banco de investimento do Pactual que é o maior banco da América Latina, fazer uma oferta de 140 milhões de euros para compra de crédito pelo Banco Pactual, o BCP recusou. Mais tarde, depois da insolvência da Ongoing chegámos a um acordo e os créditos foram comprados por 80 milhões por troca de dois ativos que estão no balanço do BCP e o banco aceitou. O BCP acusa-me de não ter ido lá pagar os 10 milhões do meu aval pessoal, mas quando nós fizemos um acordo da compra dos créditos o BCP disse que ia perdoar esse aval. Fez parte do acordo. O banco disse que só podia fazer isso um ano depois porque queria ter a certeza que a empresa que tinha o crédito do BCP, a Insight, não ia ser levada à falência. Se a crédito fosse vendido, o que aconteceu, eles perdoariam o aval pessoal” disse Vasconcellos que atalhou que “essa como muitas outras estão mal contadas”.

“Havia garantias que estavam no BES, para além de uma conta de 60 milhões que inclusivamente o gestor judicial pede para o BES devolver esse dinheiro para entrar na massa falida da Ongoing, o que não aconteceu. Havia ativos imobiliários, terrenos, prédios no Estoril, apartamentos, casas, um empreendimento em Alcácer, e um armazém em Valejos avaliado em sete ou oito milhões, e que estava arrendado e era rentável. Tínhamos um empreendimento com terreno aprovado de mais de 30 milhões de euros. Havia um imóvel na Rua Artilharia 1, a herdade de Monfortinho, Golfe da Quinta do Perú. Ficou tudo no BES. Mas mais, houve ativos imobiliários que estavam em nome da minha família, não estavam em nome da Ongoing, que a minha família entregou ao banco como garantia, como o Armazém de Valejos que não era da Ongoing”, disse Nuno Vasconcellos que reconheceu que deu um aval pessoal de 10 milhões no fim de vida do BES.

“Nunca tive uma mota de água”

“Outra grande mentira que se conta é que eu só tinha uma mota de água, não é verdade. Eu tinha ativos imobiliários que ficaram no BES e foram avaliados na altura. Posso dizer que tinha 20% de um terreno na Expo, e também era acionista da Fundição de Oeiras, em meu nome pessoal. Nunca tive uma mota de água”, disse o empresário.

Nuno Vasconcellos deixou ainda a pergunta de “como é que se a dívida da Ongoing era assim tão má como é que ela passa com os ativos para o Novo Banco?”

“Todos os ativos que eu tinha em meu nome ficaram no BES”, disse o empresário que reconheceu que gostaria que o Ministério Público fizesse uma investigação para se descobrir “a verdade”. A deputada do Bloco de Esquerda confessou que “a coisa que mais desejo é que o Ministério Público o investigue”.

“Eu não vim aqui como arguido”

“Eu não vim aqui como arguido”, lembra Nuno Vasconcellos a Mariana Mortágua, que pede que os deputados “tenham a humildade de ouvir a minha versão dos factos e não aquilo que já está precondicionado nas vossas cabeças”. Fernando Negrão pede que não haja considerações para além das perguntas e respostas. “Não posso ser desconsiderado, o respeito tem duas vias”, disse Nuno Vasconcellos referindo-se à deputada do Bloco.

A deputada lembra que o património imobiliário que serve de garantia à dívida do Novo Banco está avaliado em seis milhões de euros.

“A partir de 2016 deixei ser responsável pela Ongoing que tem um gestor de falência, sou responsável pelos atos até 2016″, disse o empresário que diz que não consegue saber o que aconteceu aos ativos que ficaram no BES, alguns devem continuar no balanço do Novo Banco”, disse ainda.

“Quem é que vai pagar essa pergunta deve ser feita a quem lá está neste momento, e quem fez a gestão da falência. Se eu estivesse lá eu diria como é que iria pagar, pode ter a certeza”, disse Nuno Vasconcellos.

Mariana Mortágua cita um documento do Novo Banco que diz que as únicas garantias que existem para as dívidas da Ongoing estão concentradas numa empresa brasileira chamada Real Time Corporation. “Isso é totalmente falso, posso-lhe dizer que a Ongoing tinha uma participação na Real Time Corporation, é uma holding que tinha empresas de tecnologia e ia fazer um IPO no Brasil, estava a ser preparado. Teve uma avaliação da Mckinsey”, disse o empresário que durante a curta audição esteve a ser ouvido com muitos cortes.

“Todas as garantias reais estão contratualizadas com o Novo Banco”, disse o empresário que recusou que a Real Time tenha sido dada como garantia. Lembrando que a Real-Time era uma holding de start-ups que deixaram de ter operação e com dívidas grandes no Brasil.

A deputada diz que a Real Time sozinha deve 47 milhões ao Novo Banco. Nuno Vasconcellos diz que não tem a Real Time nas dívidas ao Novo Banco.

Mariana Mortágua passa para a HIS Portugal, uma empresa de software que era do grupo Ongoing, que está insolvente e é dona da HIS Brasil.

“A HIS Portugal foi dada como garantia ao Novo Banco a HIS Brasil não”, corrige Nuno Vasconcellos.

Mortágua relata que “a HIS Portugal era dona a 100% da HIS Brasil até que em 2017 há um aumento de capital da HIS Brasil por uma sociedade constituída no Panamá chamada Affera”.

Nuno Vasconcellos confirma o aumento de capital subscrito por empresários brasileiros na HIS Brasil e diz que “hoje em dia é uma empresa pequena que eu deixei de ser responsável há uns tempos e entreguei a empresa aos seus acionistas”. Um desses empresários é padrinho do filho de Nuno Vasconcellos, segundo revelou.

Na altura, “o Novo Banco não quis saber de mais nada, nem quis emprestar mais dinheiro”, lembrou o empresário.

“Havia um contrato que foi feito com o BES, quando me pediram para vender as ações da Zon e da Impresa, para amortizar a dívida, eu na altura falei que as empresas no Brasil precisavam de dinheiro para os próximos três anos, porque eram empresas que não tinham operação rentável. Eram start-ups”, continua.

“Houve um projecto chamado ‘Projecto Chiado’ elaborado pelo Novo Banco, que tinha uma promessa que me foi feita, disseram-me o senhor vem cá e amortiza o crédito da Impresa, vende as ações da Zon e deixa cá esse dinheiro e nós damos-lhe um empréstimo até 30 milhões de euros para os próximos três anos para poder financiar as empresas no Brasil. Isto aconteceu um mês antes da queda do BES, veio uma nova gestão do Novo Banco. Eu mostrei-lhes o documento que estava aprovado pelo Conselho de Administração do BES, falei da situação no Brasil (havia salários por pagar e impostos por pagar que dá prisão) e pedi ao Novo Banco para ativar esse crédito e o banco disse-me que não podia fazer isso”, disse para explicar porque teve de ser feito um aumento de capital subscrito por empresários no Brasil.

Mariana Mortágua cita como sócios da Affera os nomes de Rafael Mora, Gilberto Martins, Nuno Dias, Nuno Vasconcellos e Guilherme Dray. “Pode-me mostrar? Como é que comprova isso? Eu nunca fui acionista da Affera, e essas pessoas que eu saiba também não”, disse Nuno Vasconcellos. E administrador? pergunta a deputada. “Terei de ver” disse explicando que foi administrador de cerca de 100 empresas.

“Eu, Nuno Vasconcellos, nunca fui administrador da Affera, se Rafael Mora ou Guilherme Dray, que eu conheço bem, foram não sei, tenho sérias dúvidas que alguma vez tenham pertencido à Affera, mas não lhe posso confirmar isso. Desde 2016 até hoje eu sei lá o que se passou na empresa”, respondeu.

Mariana Mortágua pergunta sobre a “Opportunity 2” no Luxemburgo. Nuno Vasconcellos disse que essa empresa pertenceu ao family office que a família geria, nunca foi da Ongoing.

Depois a deputada pergunta sobre a Golden Hedge no Luxemburgo, que é dona da Webspectator. Nuno Vasconcellos diz que a Webspectator não é da Golden Hedge e é uma empresa nos Estados Unidos que esteve envolvida num processo judicial por desvio de dinheiros da administração, revelou, acrescentando que esta empresa não tem nada a ver com a Ongoing.

Mariana Mortágua pergunta por off-shores da família e Nuno Vasconcellos diz que não há e “mesmo que houvesse não fazem parte do âmbito desta comissão”.

“Tudo o que o BES me pediu, tudo o que o Novo Banco me pediu eu dei, a partir daí (de 2016) se foi mal gerido, não sei”, explicou.

“Há partidos tecnicamente falidos e ninguém fala disso”

“Sempre que os bancos precisam de dinheiro lá vem a lenga-lenga de que a culpa é dos empresários. Não se podem esquecer que os bancos estavam cheios de dívida pública, que a dívida pública nos últimos anos só aumentava e passou a não valer nada, e tiveram de provisionar essa dívida pública que era provavelmente 40% do balanço dos bancos e a culpa é dos Governos que geriram mal nessa altura”, disse Nuno Vasconcellos que defendeu Luís Filipe Vieira como empresário “que se fez”. O ex-dono da Ongoing defendeu os empresários que deram emprego e que “de repente passaram a ser péssimos”.

“Houve uma crise mundial dos últimos 10 anos a que ninguém escapou. Foi uma crise a que os partidos políticos também não escaparam, alguns falidos tecnicamente há mais de sete anos e ninguém fala, só se fala em dois ou três empresários como se tivessem a culpa disto tudo”, disse Nuno Vasconcellos, irritando os deputados. Mariana Mortágua responde acusando Nuno Vasconcellos de ajudar Ricardo Salgado a rebentar com o BES e parte da economia portuguesa. “Deixou um calote de 600 milhões de euros e tem o desplante de vir aqui, do alto da sua moral, falar da crise e dos Governos. Por mim acabei a minha intervenção e não pretendo fazer qualquer pergunta ou dar qualquer tempo de antena ou palco para ouvir esta versão”, disse a deputada. Nuno Vasconcellos responde “não aceito essas suas acusações. Prove o que está a dizer”.

Quando começava a aquecer o inquérito o presidente da mesa Fernando Negrão pôs fim à audição a Nuno Vasconcellos dizendo que “ficou claro de uma forma pública e notória que recusa sistematicamente e sem explicações plausíveis que seja titular de qualquer dívida. Surge igualmente claro que não responde a nenhuma pergunta de forma construtiva e por último, resulta ainda claro que a sua única preocupação é construir a sua defesa. Em nome da dignidade desta comissão, eu e todos os deputados entendemos dar por terminada a audição”.

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