Nesta silly season, como noutras, houve quem fizesse por estar à altura da época e ainda quem quisesse que as tonterias destes fossem de monta suficiente para fazer esquecer erros e pecados que todos pagamos caríssimo. Não sucedeu. O país a banhos continua impressionado com as chamas que não deixam apagar Pedrógão, a falência do Estado e das suas instituições sobrepõe-se à bacoquice de quem se passeia entre a pimbalhada rosa; o retrato das férias é o retrato do Algarve deste ano, queremos acreditar no calor que se faz sentir, mas entramos na água fria, demasiadamente fria, e acordamos para a realidade que não interrompe o seu curso em Agosto.

A tomada do poder pelos incapazes acabou com a silly season. Perdemos, pelas piores razões, o direito a rirmo-nos com o disparate estival. Pode dizer-se sem grande exagero que estamos a viver um 1975 global, o Verão está quente, mas não embala, queima. Como em 75 em Portugal, tudo está em ebulição no mundo, pelas mãos de tresloucados que protagonizam um dos piores momentos da história pós II Grande Guerra.

Quem se lembra da Guerra Fria com objectividade, longe do patético Russians do Sting e das manifes dos pseudo-pacifistas, lembrar-se-á que esta decorreu num quadro de muito elevada previsibilidade, com canais diplomáticos de alto e eficaz funcionamento, com actores fortemente habilitados para o complexo jogo político que se desenrolava. Ao longo deste período, a título de exemplo, Portugal teve Franco Nogueira, Ruy Patrício, Mário Soares, Medeiros Ferreira, Jaime Gama a representar o Estado no quadro das Nações. A Europa contava e mantinha a solidez e a coesão política sem olhar a custos entre sociais-democratas, democratas-cristãos e conservadores. Havia uma linha directa entre Washington e Moscovo, os dois protagonistas do mundo bipolar de então.

Hoje, em contrapartida, temos uma emergência desregrada de absolutos irresponsáveis políticos de consequências imprevisíveis. Se pensarmos no nosso verão de 75, podemos facilmente identificar Maduro com Vasco Gonçalves, Kim Jong-un com Arnaldo Matos e Trump com Otelo Saraiva de Carvalho; a Europa, infelizmente, parece-se mais com Costa Gomes. No meio do pandemónio, a China e a Rússia reforçam o seu papel e constituem-se como pilares do bom senso possível. Nada disto é bom para nós.

A falência da credibilidade americana é a morte da esperança do Ocidente que conhecemos até agora. A diplomacia eficaz é o oposto dos tweets destemperados de Trump, as ameaças a loucos sanguinários como Maduro ou Kim não se fazem nas redes sociais. A América que seria grande outra vez, não vai lá pela divisão dos americanos, pela traição ao grandes princípios fundadores, pelo descredibilizar das instituições, pelo afrontamento e confronto permanente. Todos pensávamos que George W. Bush tinha sido um presidente criticável, até conhecermos Trump.

O friso dos Presidentes vivos, democratas e republicanos, que sempre se apresentou unido e bem visível à América e ao mundo, desfez-se com os desnecessários e permanentes insultos de Trump aos seus antecessores. A afronta às Agências Governamentais mina o poder e a força da nação. O branqueamento do racismo destrói o tecido social. Em suma, Trump não está a fazer à América coisa diferente do que Maduro fez à Venezuela: destruir uma grande nação, tendo em mãos um poder que é absolutamente incapaz de exercer. De repente, temos um Trump com demasiadas parecenças com Maduro, um Kim que se vê com margem para os mimetizar e avançar não se sabe bem até onde, e a China gigante a fazer ouvir a voz do bom senso.

Em Portugal, tal como no século XIX se seguiam as modas de Paris, temos hoje um malabarista político sem os limites éticos da Democracia que conhecíamos a aproveitar a onda de desnorte deste verão quente, escaldante. Quando a anormalidade se constitui como regra, há sempre quem aproveite para safar a vidinha, e Costa nada como poucos nestas águas turvas e envenenadas. No fim estaremos de tanga e sem bóia, mas Costa e os seus seguirão no primeiro bote do Costa Concordia.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.