Uma vez mais fomos brindados com um non-stop de energia elétrica renovável em Portugal, que durou quase três dias seguidos – de 9 a 12 de Março de 2018. É nestas alturas que fico contente por conseguir dizer que estou a usar eletricidade renovável, já que, na maior parte do tempo, é impossível saber de onde vêm os eletrões que nos entram em casa via rede nacional de eletricidade.

Esta realidade é algo sobre-interpretada pelos comercializadores de Certificados Verdes que se disponibilizam a atestar que determinado KWh de origem renovável pertence a uma pessoa, a um custo ligeiramente superior ao da eletricidade “normal” (no caso da EDP “Eletricidade Verde” Particulares, os preços são iguais aos valores de eletricidade ‘não-verde’, mas não têm o desconto atual de 2%).

Claro que de forma nenhuma a compra do certificado vai fazer com que haja um KWh produzido numa torre eólica para quem o certificou. Em boa verdade, as duas únicas coisas que o pagamento pelo certificado faz são, por um lado, publicitar as intenções ecológicas do comprador, e, por outro, compensar o custo global da eletricidade, o que em última instância vai beneficiar quem não quer pagar por renováveis.

Esta última é a razão pela qual eu não compro certificados verdes, já que não sinto qualquer obrigação social de andar a pagar a despreocupação de outros. Já a Google, por exemplo, reconhecendo esta realidade, tem todo um interesse estratégico em apoiar as renováveis por esta via, e outras, e intitular-se “100% renovável”. Parece-me aceitável, numa empresa de grande dimensão, com consumos elétricos elevados.

E se fosse possível saber a origem da eletricidade? Pode parecer utópico, mas de facto é uma ideia que já esteve mais longe da realidade. A tecnologia blockchain, que muitos conhecerão via Bitcoin, já está a chegar ao setor elétrico.

Blockchain é um tipo de base de dados descentralizada e pública que guarda um registo permanente de transações, sem possibilidade de alteração retroativa. O uso de um blockchain confirma que uma unidade de valor foi transferida uma vez, o que o descreve, em termos muito simplificados, como um protocolo de troca de valor. Para leigos como eu, trata-se de um sistema de tracking infalível. A tecnologia foi utilizada inicialmente com criptomoedas, mas muitos usos se lhe seguiram, incluindo nas energias renováveis.

A proposta passa por usar o blockchain para criar certificados de produção elétrica criados por contadores ligados às próprias torres eólicas ou painéis solares. Em Brooklyn, EUA, a empresa LO3 Energy, em parceria com a Siemens, montou uma micro-rede com esta tecnologia onde os residentes vendem eletricidade aos vizinhos, sem necessidade de intermediários. Há mesmo quem lhe chame a “democratização das energias renováveis”.

Num plano nacional, a Agência Reguladora da Energia do Chile anunciou que irá utilizar blockchain na rede elétrica chilena. Na Europa, a ENEL italiana e a E.On do Reino Unido fizeram já um teste bem sucedido com transações daquele tipo. Por cá, tivemos dois projetos finalistas do EDP Open Innovation com base nesta tecnologia.

A enorme vantagem será a possibilidade de se direcionar apoios a quem demonstrar comportamentos mais eficientes, no uso de veículos elétricos ou outros. Quiçá o futuro passa por benefícios fiscais a quem comprovadamente utilize renováveis, por exemplo.