(Faço aqui o meu tradicional ‘disclaimer’. Não integro as listagens do tradicionalmente conhecido como “apoio judiciário” porque não dou borlas ao Estado e não aceito que escolham por mim a quem não cobro. Repito aqui o que já escrevi antes: os advogados que integram o sistema de acesso ao Direito são muitíssimo mal pagos e bastas vezes sustentam do seu bolso o que é uma incumbência do Estado. Fazem-no por vários motivos, um dos quais o compromisso com o seu Estatuto e gozando de plena autonomia. É certo que as críticas aos designados “advogados oficiosos” são muitas, principalmente por parte dos profissionais do sistema, os quais, fruto de terem já processado meio mundo, se acham mais conhecedores do que os que para isso estudaram. Estou, contudo, em crer que, até estes, quando forem confrontados com a realidade que se prepara terão saudades dos que andaram anos a difamar.)

 

À data em que escrevo estas linhas tornou-se pública a intenção do Bloco de Esquerda de fazer aprovar na Assembleia da República uma proposta de lei, tendente a criar um alegado Serviço Público da Justiça.

Apresentado como uma medida para aproximar os cidadãos da justiça e fazer equivaler os serviços prestados nesta sede aos da Saúde, a ideia, à primeira vista, poderia colher grandes apoios. Sucede que, por detrás de uma, pelo menos, aparente boa vontade e aproximação dos cidadãos à Justiça, o que este anúncio tem subjacente é a tentativa de criação de um corpo funcionalizado, também conhecido por defensores públicos, e o afastamento da única classe que goza de total independência perante o Sistema Judicial.

Faça-se notar que, se o objectivo era tornar o acesso à justiça o que a Constituição determina, nomeadamente através da proibição de denegação de justiça por motivos económicos, então o que se teria de mudar era apenas e tão-somente os critérios mediante os quais um qualquer mortal cidadão pode ver deferido o seu pedido de apoio.

Tentar “domesticar” os advogados através da sua transformação em funcionários, para além de importar assinaláveis custos para todos nós, apenas terá como consequência uma maior fragilização daqueles que recorrem ao dito sistema, principalmente quando o objecto do processo a intentar sejam condutas do próprio Estado.

Por último, a formatação da justiça, assente em formulários para tudo, na avaliação fundada em meras operações de estatística, diga-se o que se disser, pode permitir a apresentação de gráficos muito bonitos mas não se traduz numa sua melhor e mais adequada realização.

A ser como se diz, é mais um ataque a esta classe profissional, sem que a Ordem dos Advogados nos defenda de forma eficaz. Há advogados do diabo? Há. Nos dois sentidos que a expressão pode ter.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.