Insistem em chamá-lo “Novo” Aeroporto de Lisboa, mas o assunto é debatido há mais de 50 anos. Afirmam que é urgente decidir, esquecendo que entre qualquer decisão e a efetiva inauguração de uma infraestrutura poderá passar uma década ou mais.

Foi com essa nova pressa para decidir qualquer coisa que o Governo de António Costa tentou resolver o velho problema da localização do Novo Aeroporto de Lisboa à moda antiga: com um despacho ministerial unilateral e impositivo. O sistema bipartidário de governação bloqueou a medida e a solução encontrada para este atropelo do “centrão” foi uma vergonhosa revogação, desprovida de consequências políticas.

Tanto o despacho como a sua revogação enterraram de vez o concurso público internacional promovido, meses antes, pelo Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT) destinado a selecionar a entidade que iria fazer a Avaliação Ambiental Estratégica e apreciar a localização do novo aeroporto de Lisboa.

Em resposta fundamentada e após publicação da lista dos quatro consórcios admitidos no concurso, o júri selecionou e adjudicou, em abril de 2022, o consórcio que apresentou o segundo valor mais baixo, o consórcio da COBA – Consultores de engenharia e ambiente e da INECO – Ingeniería y Economia del Transporte, no valor de 1.999.980 euros. Esta adjudicação nunca foi assinada pelo Governo. Numa rara concertação entre Governo e partidos da oposição, fabricou-se uma falsa polémica baseada na ligação de uma das empresas do consórcio vencedor ao Estado Espanhol.

Independentemente da exclusão discriminatória digna de queixa às instâncias europeias – o que terão feito os governantes desta vez para evitar uma litigância na qual o Estado Português seria certamente condenado – o Governo tinha várias opções possíveis: atribuir a adjudicação ao segundo vencedor ou repetir o concurso, por exemplo. Em vez disso, preferiu deixar cair o concurso público por completo.

O superior interesse nacional que, populisticamente, se levanta sobre as questões aéreas no nosso país – numa espécie de sucessão dos gloriosos caminhos marítimos das caravelas – cega a sociedade civil e deixa passar incólume uma das maiores e mais caras manipulações do Portugal “democrático”, aquele período utilizado nas comparações de Pedro Nuno Santos na sua habitual sede de autoelogios.

Um acordo PS-PSD deu luz à resolução do conselho de ministros – em obliteração à via mais transparente dos concursos públicos – que criou uma Comissão a quem o poder político decidiu atribuir, por decreto, os adjetivos de “técnica” e “independente”. Os políticos têm esse poder: podem chamar o nome que quiserem às coisas; e podem limitá-las, condicioná-las e subvertê-las também.

Esta “Traição das Imagens” já foi pintada há quase 100 anos por René Magritte. Se há coisa que aprendemos é que “um cachimbo pintado não é um cachimbo” – nem de paz, nem de democracia.

Assistimos a um verdadeiro atentado continuado ao processo democrático sob a forma de adjudicação direta de estudos não científicos – repito, não científicos; sob a forma de demissão de membros da comissão considerados “incompatíveis” (pergunta-se: incompatível com o quê?); sob a forma de atas de reuniões acusadas de serem incompletas ou sob a forma de manifestações de opinião da dita Comissão sobre um dos potenciais candidatos à eventual privatização da TAP… e o problema era a participação do Estado Espanhol numa das empresas?!

Estas evidências crescem à medida que o calendário avança e à medida que nos distanciamos cada vez mais da decisão ponderada, neutra, objetiva e com base científica que se prometeu ao eleitorado com a criação desta Comissão.

A manipulação democrática sempre existiu, mas a esta escala, com esta perversão e com o alto patrocínio concertado de Governo, partidos, academia e alguma imprensa, é um fenómeno novo. O Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) é, de facto, um daqueles raros temas que transladou e se arrastou da ditadura para a democracia. Talvez por isso seja tão fácil para o Estado recorrer aos métodos antigos… de Novo.

Em matéria de aeroportos, como em tantas outras da nossa jovem democracia, é caso para dizer que Portugal vai de “NAL” a pior.