Apesar de saber que me vou arrepender, vou jantar a um restaurante divulgado nos guias turísticos sobre Lisboa. Arrisco, no pressuposto de que as iguarias merecem o sacrifício. Dezembro e a aproximação do Natal não ajudam, pelo menos a mim, – os proprietários estarão felizes – e a espera promete.

À porta, a multidão agrupa-se numa mancha densa. Para ordenar os expectantes, uma funcionária entrega a cada um uma senha com quatro enigmáticos algarismos e aponta para um mostrador. A minha senha é a 1061!? No mostrador surge um 8045, é óbvio que deixei fugir os três números de tolerância e sinto um arrepio no fundo da barriga. O que se passa aqui? Dois anos de pandemia converteram-me numa excluída social.

A espera pede para ser entretida, engrossando a despesa. Numa espécie de antecâmera podemos ser marinados, por exemplo, em cerveja, enquanto observamos o mostrador: 6027, 4033… Não há imperial, mas umas garrafinhas metálicas a preço de bar da praia. Bom, pelo menos estão frescas.

O desconcertante mostrador fala em inglês. Penso: provincianismo. Porque não a equilibrada solução bilingue: quatro-mil-e-trinta-e-três! four-thousand-and-thirty-three!? Pouco depois oiço: trentamila e settantaquattro! E surge um novo número no mostrador acompanhado por uma voz que parece literalmente chinês.

Fez-se luz!

Este restaurante deve servir muitas refeições por dia. 3000? 4000? Não consigo estimar. Uma grande parte turistas. A procura é desmesurada e a resposta planeada, ajustada à dimensão do grupo e anunciada na língua respetiva – o algoritmo foi convidado a entrar.  Os algarismos indicarão a dimensão do grupo, a funcionária assinalará a nacionalidade e por aí fora. Parece-me que não vi casais passarem à frente. A máquina estará programada para dar prioridade a grupos, muito mais rentáveis? Confiantes na sua eficiência, ninguém reclama a longa espera.

Ao fim de mais de uma hora dão-nos acesso à sala. O jantar é rápido e eficaz. Nada demora, nem o empregado, nem os acepipes, preparados enquanto a nossa presença lá fora assegurava que ficaríamos. É tarde, assistimos ao arrumar de cadeiras sobre as mesas para preparar a limpeza que se seguirá.

Eis o exemplo de uma empresa portuguesa bem-sucedida. Não é pequena e média e a tecnologia dá conta da logística. Ford deveria deliciar-se com uma visita a esta cadeia de montagem. Quanto a mim, – no tapete rolante – senti-me deslocada.

Não posso deixar de reconhecer o efeito da escala na nossa pequena economia aberta e o porquê do endeusamento do turismo que a facilita. A organização da produção, o ritmo acelerado, a divisão do trabalho e até a pequena inovação que garantem o sucesso deste sítio seriam quase imprudentes numa pequena empresa voltada para a procura local.

Porquê o desânimo, então? Porque este modelo economicamente viável dificilmente passará no teste da sustentabilidade. A prazo, os que o frequentavam e recomendavam vão seguir para outras paragens. Os novos frequentadores vão encontrar um outro local, padronizado e descaracterizado. E não consigo deixar de lamentar a tendência, quase congénita, para encontrar soluções que, privilegiando o sucesso imediato, geram uma dependência externa onde não nos reconhecemos como destinatários. Que triste fado!