O presidente francês, Emmanuel Macron não se contenta em proclamar a importância de “agir juntos”. Considera que é preciso “ir mais longe” que a Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) da UE. Para isso, criou uma força a que chamou “Iniciativa de Intervenção Europeia” (E2I), fora do quadro da UE.

Convém sublinhar que quando o presidente francês fala da “Europa da Defesa”, ao contrário da chanceler alemã, não se está a referir à PCSD. A nuance semântica entre Europa da Defesa e União Europeia é propositada e não despicienda. Apesar de não haver coragem de o assumir, a E2I não tem a ver com a cooperação estruturada permanente (PESCO), nem com o fundo europeu de defesa. Pelo contrário, subverte um projeto semelhante no quadro da PESCO, tornando-a parcialmente inútil.

A Carta de Intenções assinada pelos países fundadores é perigosamente exígua em explicações sobre a utilidade da E2I. Embora seja apresentada como uma força que pode também ser colocada ao serviço da UE, na prática a E2I será mais um mecanismo a que a França recorre para colocar outros países e/ou organizações internacionais (ONU, UE ou NATO) a colaborar na defesa dos seus interesses. Como fez no Chade, no Mali, na Líbia (neste caso violando Resoluções do Conselho de Segurança), com a europeização do programa de capacidades RECAMP, e mais recentemente com Portugal, na República Centro Africana, com quem não temos ligações culturais, económicas nem interesses estratégicos, para libertar forças francesas para combater na Síria e na Líbia.

Para a França, “agir juntos” significa passar a responsabilidade das operações em que se envolver unilateralmente, sem consultar os seus parceiros, para as organizações internacionais quando descobre que não tem capacidade militar para as finalizar. O último caso remonta a 2011, na Líbia, quando acabou por ser a NATO a finalizar militarmente a operação, porque a França se exauriu. É esta mesma França que exorta os europeus a agirem juntos, e na Líbia treina e arma secretamente as forças rebeldes que combatem o governo legítimo apoiado pela UE.

Mas para que serve a E2I? A ministra francesa da Defesa respondeu parcialmente a esta pergunta: “Se tivéssemos que voltar a fazer uma operação como a Serval no Mali, em 2013, desejaríamos poder fazê-la envolvendo vários países”. Sem surpresas, África seria o destino mais provável das operações da E2I, mais precisamente onde a França tem interesses estratégicos conhecidos. Por outras palavras, a E2I servirá primordialmente para defender os interesses da França recorrendo aos préstimos dos países amigos. O seu uso não refletirá um jogo de soma positiva.

Seria candura acreditar que a França alguma vez colocaria “altruisticamente” a autonomia estratégica francesa ao serviço da Europa, como tenta fazer crer. A criação desta força insere-se no projeto francês de liderar a União Europeia, passando a perna à Alemanha, fazendo os possíveis e impossíveis para a liderar, custe o que custar.

Não é consistente justificar a criação desta força recorrendo à lentidão do processo de decisão da UE, incapaz de responder prontamente sempre que situações críticas o exigem. Não foi devido à sua alegada lentidão que os battlegroups ou os agrupamentos táticos da União Europeia deixaram alguma vez de ser empregues.

Entretanto, pouco se sabe sobre o processo de decisão da E2I. Estamos curiosos sobre o modo como se vai decidir o seu emprego operacional. Em vez de torpedear a PCSD, faria mais sentido que a França a colocasse em movimento, e ajudasse a ultrapassar as dificuldades. Os núcleos duros da defesa europeia criam-se e alimentam-se dentro da UE e não fora. Curioso o silêncio sobre esta matéria dos detratores nacionais da PESCO, quando o “agir juntos” significa antes de tudo “pagarmos juntos” por algo em que uns ganham muito mais do que outros.