A desorientação completa da oposição e o silêncio – aqui e além relutante – da esquerda confirmam: este é o momento do triunfo de António Costa. O aparente cumprimento do défice e o aumento do emprego conjugam-se com a derrota das sanções e uma parceria com os países do sul da Europa. Até episódios como o Euro 2016, a vitória de Guterres na ONU ou o sucesso no turismo dão ao país uma auto-estima renovada, que bloqueia a campanha de medo da oposição. O PSD afunda em todas as sondagens.
Apesar das suas fragilidades, a geringonça provou ser estável e pragmática. Não há ameaças públicas irrevogáveis nem mal-estar dos parceiros com o PS. A recuperação de rendimentos e algumas medidas simbólicas permitem à esquerda alardear conquistas. Na verdade, reduzindo o investimento público e apesar da redistribuição da carga fiscal, o orçamento não saiu de uma linha de contenção – bem ao contrário do que estes partidos propunham.
É interessante que a oposição e o PCP concordem no diagnóstico. Jerónimo de Sousa alertou há dias que a ambição do PS de conciliar crescimento económico, devolução de rendimentos e cumprimento de critérios europeus é uma ilusão. Para a direita, isso significa seguir uma lógica austeritária para cumprir as regras do euro. Para o PCP, está em cima da mesa a renegociação da dívida e a saída do euro. Sem os juros da dívida, o orçamento teria folga para apoiar a dinamização da economia e um programa social. Mas não há solução em breve.
O PS também não aplica o seu programa, que propunha uma maior redução de impostos e uma devolução de rendimentos mais lenta. Entre a espada da UE e a espada da esquerda, Costa faz navegação à vista e adia o confronto. Por um lado, repete a fórmula do orçamento anterior e anuncia medidas que só oneram parte do ano, como os aumentos das reformas ou o fim faseado da sobretaxa. Tal como em 2016, também limita o reembolso de dívida ao FMI.
Por outro lado, fará uma redução do défice estrutural superior ao exigido pela Comissão. Após a ameaça de sanções, o Governo não quer dar álibis à intromissão europeia. Maria Luís Albuquerque tinha razão quando dizia que ela não sofreria sanções. O governo PàF não cumpriu uma única meta e fez sucessivos orçamentos retificativos sem qualquer reação de Bruxelas. Mas Costa não terá espaço para falhar em 2017.
O triunfo nacional parece completo. Receando Passos, a austeridade e o desmantelamento do Estado social, a esquerda prefere apoiar este Governo. O PS centrou-se no cumprimento do défice, arrastando para isso toda a geringonça. E a direita enfrenta o descrédito. As previsões de desastre da direita erraram todas. Sem programa alternativo, os partidos da austeridade virtuosa e purificadora e da devolução lenta de rendimentos são agora defensores da redução imediata da carga fiscal. A austeridade deixou de ter defensores.
Mas, como para todos os campeões, há sempre uma fraqueza. A kryptonite de Costa é dupla. Travado pelo fraco investimento público e pela crise em vários mercados das nossas exportações, o crescimento económico é tímido. Sem mudança política na Europa, esta trajetória presa entre espadas esbarrará contra a parede de um solavanco internacional. Na falta de uma articulação mais estreita, que vá além de uma coligação contra Passos, qualquer crise externa fará ruir a atual maioria.
Costa tem um ano para resolver estes problemas no meio de uma execução orçamental difícil. Em outubro de 2017, cruzam-se os resultados desta estratégia, a definição do novo orçamento e as eleições autárquicas. Marcelo avisou: há estabilidade até aí. O popular Presidente já pediu até pela definição de uma alternativa na oposição. Se a geringonça não resolver este nó, a seguir, o ano é de Marcelo.