Obama recuperou a economia em crise profunda, fez uma reforma limitada da saúde contra um Congresso hostil e apoiou a igualdade no casamento. Para uns, são avanços tímidos face às suas promessas de mudança. Mas, para outros, Obama é um Anticristo que foi longe demais. Esta campanha seria sempre sobre a necessidade de mudança. Mudança definitiva para uns; inversão do caminho para outros.
As sondagens juravam a vitória democrata num duelo Trump-Sanders e a derrota num cenário com Hillary. Bernie usava a fúria anti-sistema para um programa de mudança e cativava as classes baixas. As elites democratas ligadas aos interesses económicos estavam com Hillary e santificavam o legado de Obama. Fizeram da sua condição feminina o simulacro de uma agenda de progresso. Mas Clinton não polarizou o apoio.
A energia anti-sistema encontrou Trump e o seu discurso contra Washington. Na sua base de apoio estão os derrotados da globalização, os conservadores, a NRA e os supremacistas brancos. O discurso xenófobo e anti-imigração polarizou o voto branco de homens e mulheres. É o sinal do estertor de uma América branca em declínio numérico e económico, que mitifica um passado glorioso inexistente e recusa o presente e o futuro que o mandato de Obama implica.
Parte das elites exigia a mesma némesis anti-liberal de Trump: quer o proteccionismo económico e o nacionalismo para bloquear a competição internacional. A ideia de reduzir impostos aos ricos também é música celestial. O sistema tão odiado pelos brancos pobres mobilizados nesta eleição vai reforçar-se.
Agora sai Donald, o candidato. Entra Trump, o presidente. O personagem do show das eleições será filtrado no Congresso e na máquina partidária. As propostas de campanha cairão no esquecimento. E os republicanos darão substância às ideias vagas do Presidente numa posição única, controlando o Congresso e a maioria dos governadores e dos representantes estaduais. Um comentador exultava: É um Nirvana Republicano.
O anti-Obama não ficará por aqui. Vai nomear juízes para o Supremo Tribunal, reverter conquistas recentes e direitos antigos. O discurso da xenofobia e do racismo teve validação popular e as tensões raciais no país devem aumentar. E o retrocesso nos direitos na América dará poder às forças reaccionárias pelo mundo todo. Le Pen já saudou o resultado no Twitter e prepara-se para o seu teste. Não nos centremos só em Trump para não desvalorizar este movimento global de refluxo. Isto ainda vai piorar antes de melhorar.