Quando no domingo me sentei para escrever este artigo de opinião tinha uma mão-cheia de temas.

Trump e as suas armas de guerra económica, as tarifas aduaneiras, sendo a mais chocante e emblemática pelo seu cariz político, a tarifa anunciada de 50% sobre as importações do Brasil, em retaliação do seu amigo, Jair Bolsonaro, estar em tribunal, acusado de tentativa de golpe de Estado para destituir o Governo de Lula da Silva – uma intromissão política gravíssima dos EUA, ao nível da participação no golpe de estado militar de 1964; Trump e as ameaças aos BRICS+, sobretudo pelas medidas de desdolarização em discussão, nos países BRICS; a análise da 17ª. Cimeira dos BRICS+ no Rio de Janeiro nos dias 6 e 7, sob a Presidência do Brasil, com uma declaração final, um pouco mais branda  que o costume; o abandono do “não é não” da campanha eleitoral de Montenegro, hoje com as fronteiras entre AD e Chega a esboroarem-se em medidas próprias da extrema direita e a causar incómodos, entre sensibilidades diversas do PSD, levando a algumas deserções de quem não pretende pactuar com esta deriva, afirmando-se que as bases do partido estão intoxicadas das ideias do Chega, o que, de algum modo, explica transferências do PSD para o Chega, dentro daquele aforismo que a cópia é pior que o original.

O tema do Apagão Ibérico, porém, seduziu-me por uma razão simples. O apagão não foi ainda minimamente explicado a quem sabe ou pouco sabe da matéria, tendo todos sofrido as suas consequências, algumas graves. Já passou, mas, nada garante que, um dia destes, não possamos ser revisitados por um novo apagão que, segundo especialistas, pode ser bem pior, com consequências mais nefastas, enquanto os restantes temas ainda agora estão a cimentar-se e vieram para ficar, como no caso dos entendimentos Chega/AD, como vamos percepcionando pelos media, em títulos como:

  • “Governo e Chega entendem-se para dificultar reagrupamento”, familiar dos imigrantes.
  • Chega e AD “com princípio de acordo” na lei da nacionalidade, a concretizar nos princípios de Setembro e … outros prenúncios na calha, como a segurança.

O apagão ibérico

Será que alguma vez vamos ter direito a uma réstia de verdade sobre as causas reais do apagão? Esta questão destina-se a quem a devia informar: ao governo de Pedro Sanchez, em primeiro lugar, e ao de Montenegro. Não a técnicos conhecedores da matéria, que até têm agido com moderação. O governo de Espanha já apresentou explicações. Só que enviesadas e contraditórias sob vários aspectos.

Continuo incrédulo, não por princípio, mas por duas razões básicas:

  • A situação pode levar a indemnizações graúdas, pelo menos, em Espanha. Em Portugal, a “moleza” nacional irá ser condicionada pelo que se passar no país vizinho. Daí, a necessidade de burilar as coisas para reduzir, ao máximo, efeitos de eventuais causalidades. E aqui estão logo dois interessados de peso em que pouco se saiba, o governo de Espanha e os grupos seguradores.
  • O sectarismo fanático na defesa das energias provenientes do sol e do vento, as conhecidas energias renováveis intermitentes, pois há outras renováveis não intermitentes, como a hidro ou a geotermia. Aqui também há presença de actores fortíssimos.  Desde logo, o governo de Pedro Sanchez, sendo ele um indefectível defensor das energias renováveis intermitentes e anti nuclearista e os lóbis do sector.

Cruzando estas variantes e suas ramificações de interesses nos interstícios das instituições europeias, as raízes do apagão dificilmente virão à luz do dia. O Governo português um “pouco simulado” e com os lóbis, que os há, também não mostra interesse em esclarecer. A ministra do ambiente e energia, Maria da Graça Carvalho, que não se saiba bem em que águas navega, vai pactuando, não bule.

Tenho assistido a debates, a troca de ideias e procurado colher informação, através de leitura de artigos e entrevistas de especialistas.

O real vivido.  “A 28 de Abril, a Península Ibérica, Espanha e Portugal, conheceu um apagão sem precedentes.  Às 12h31 (hora de Espanha), a produção espanhola de electricidade era da ordem dos 28GW e, desta, cerca de 60% fotovoltaica. Em alguns segundos, o desaparecimento de 15 MW da rede eléctrica (espanhola) provoca uma interrupção em cadeia, na rede de alta tensão, ou seja, acontece um repentino desajuste entre a oferta e a procura, proveniente da sobreprodução pontual de electricidade renovável intermitente, não controlável” (Transitions & Energies, 30/06).

Governo espanhol promete esclarecer toda a verdade.

Há uma área de consenso alargado. Até von der Leyen (apesar de alemã) estará de acordo de que, em toda a Europa, a rede eléctrica é desadequada e mal gerida, com destaque para a alemã. Ninguém discorda. As redes são um ponto de estrangulamento.

Para o governo de Pedro Sanchez, esta situação passou a versão oficial do apagão. Nada disse sobre as intermitentes não pilotáveis.

Esta situação em si contém, no mínimo, duas inverdades. Primeira, não refere que a contribuição das fontes de produção de electricidade para a insegurança da rede é muito desigual.  As energias de origem renovável intermitentes (sol e vento) provocam maiores desequilíbrios, causando problemas técnicos às redes eléctricas, ainda hoje não cabalmente resolvidos, sendo as fotovoltaicas as de maior risco.

A renovação das redes é muito dispendiosa. Segundo um documento do Tribunal de Contas europeu, de finais de 2023, o investimento na renovação da rede europeia até 2050 exige entre 2265 e 2600 mil milhões de euros, porque uma grande parte da rede da União Europeia data do século XX, sendo mais de metade das linhas construídas, há mais de 40 anos.

Uma outra questão.  Como pode a União Europeia, conscientemente, ter apostado com investimentos de produção avultados nas renováveis, sem adequar as redes e ainda uma terceira, como têm sido privilegiadas as renováveis, sem levar em conta a sua participação adequada no “mix” das energias. Há, no presente, a noção de mix desequilibrado pelo excesso de renováveis, o que aponta para o aumento do risco. Pelo menos, esta é a opinião de especialistas com elevada reputação na matéria. Há aqui um problema de cegueira por parte dos sectários defensores das eólicas e solares que não admitem esse risco.

No caso da Península Ibérica há ainda um outro factor agravante, a sua baixa conectividade com o resto da Europa. Idêntico apagão na Alemanha foi muito minorado por esta razão, dizendo-se até que a Alemanha com uma rede eléctrica muito antiquada explora os seus vizinhos, deteriorando as redes alheias.

O apagão, sem dúvida, foi o resultado cruzado de múltiplas variáveis. Também é verdade como muitos especialistas defendem que a prioridade primeira para a Europa deve ser as interconexões eléctricas, embora não passe de uma prioridade urgente que apenas ameniza o risco. O problema de fundo é mesmo a de uma política energética europeia não existente, onde a energia nuclear tenha o seu papel reconhecido.

A União Europeia continua a andar aos arrecuos. Até o Banco Mundial assinou com a Agência Internacional de Energia Nuclear um acordo de financiamento para investimentos, neste domínio, tendo para isso modificado os estatutos que não o permitiam. Por que razão a UE não se agiliza?! Porque se deixa manietar por lóbis poderosos, com ramificações em todo o lado.