Diria que desde sempre mas especialmente desde que Marcelo Rebelo de Sousa é Presidente da República que, a cada tragédia que acontece – e infelizmente têm sido muitas – o Presidente é célere a exigir que se apurem responsabilidades.
Já o disse esta semana a propósito da derrocada de uma estrada em Borba – uma estrada em perigo iminente, óbvio até para o comum cidadão e com diversos alertas – já de si raros – para várias entidades mas que, por nenhuma ou ninguém, foi encerrada. O número de vítimas é ainda desconhecido, mas tal facto não altera o grave da questão.
Marcelo Rebelo de Sousa foi ao local e já exigiu o sempre “rápido apuramento de responsabilidades”, até porque, dizia ele, “há um tempo útil para apuramento de responsabilidades e a justiça é muito lenta”. A sério? Fico perplexa perante este tipo de afirmações. Estamos todos de acordo consigo, Sr. Presidente, mas quem estará em melhor posição que o Sr. para provocar o acelerar dessa velocidade e forçar a efectiva tradução de boas intenções (para não lhe chamar bullshit) em resultados?
Por outro lado, o primeiro-ministro, António Costa, não foi ao local e afirmou que “o Estado é uma pessoa colectiva pública distinta dos municípios”, acrescentando ainda que “não me compete a mim estar a apurar se há ou não responsabilidade do município enquanto titular da estrada, mas também não me compete substituir-me ao município em eventuais responsabilidades”. Fabuloso como este homem se desmarca de tudo.
Mas eu confesso que sou suspeita porque ainda não percebi o que lhe compete ou que tipo de responsabilidade ele sente ter. Está sempre do lado daqueles que, mais dia menos dia, acabam por se demitir. Foi assim com a Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna aquando dos incêndios de Pedrógão Grande e foi assim como Azeredo Lopes, ministro da Defesa no caso Tancos, por exemplo.
Pedrogão e Tancos são aliás mais dois temas para os quais Marcelo Rebelo de Sousa pediu, ou melhor, exigiu, o apuramento total das responsabilidades. Para os incêndios parece-me que já ouvi todas as versões, desde um raio, ao calor, ao vento, à EDP e à origem criminosa. Não só ainda não se apurou nada em concreto, como nenhuma destas potenciais explicações me justifica as mortes na estrada. Morrer na estrada por um incêndio que está a acontecer era, até então, algo impensável na cabeça dos portugueses ou, pelo menos, na minha!
Ouvi passados uns meses alguém da protecção civil criticar automobilistas que inverteram a marcha quando confrontados com o trânsito parado numa auto-estrada ladeada por um incendio. A sério? Não se percebe, de facto, porque não confiam nas autoridades…!
E sem ministros demitidos lembro-me também de Marcelo Rebelo de Sousa ter garantido que “o Estado está a apurar responsabilidades no caso da rede de adoções ilegais que envolve um lar aberto pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Portugal”. O que é certo é que as ditas responsabilidades nunca se apuram.
Depois temos as outras. Aquelas responsabilidades que todos gostaríamos de ver apuradas mas com as quais nem Marcelo Rebelo de Sousa nem António Costa se preocupam ou pronunciam. Até porque a política e a justiça não se tocam.
E aqui estou a pensar por exemplo nos Panama Papers, onde pesquisando por “Portugal” se encontram 246 offshores com ligações ao país, 300 escritórios, 40 intermediários e 175 moradas nacionais. Nunca mais se ouviu falar em nada relacionado com este tema.
Se, ainda nos Panama Papers, refinarmos a pesquisa por “ESCOM”, do grupo Espírito Santo, encontramos 22 “entradas”. E aqui fico obviamente a pensar em todo o caso BES, que, só por si, lesou milhares de pessoas, que custa (e continuará a custar) milhões de milhões a todos os contribuintes… e que, para além de si próprio, enquanto grupo BES, percebemos que chegou à Portugal Telecom, ao ex-Primeiro ministro José Sócrates e, das últimas que li, a um assunto “novo” e (eventualmente bastante mais) complexo que envolve uma investigação criminal que começou nos Estados Unidos, continuou em Espanha e já chegou à Venezuela sobre o desvio de, pelo menos, 3,5 mil milhões de euros dos cofres da empresa Petróleos da Venezuela (PDVSA) – uma das principais produtoras petrolíferas do mundo e um autêntico fundo soberano da Venezuela.
E outros assuntos mais “pequenos”, como o caso Rangel, a Sra. da Raríssimas e tantos outros de que cada um de nós se consegue lembrar e sobre os quais não ouve (nem houve) qualquer esclarecimento, resposta ou apuramento de responsabilidades.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.