Daquilo que se conhece do projeto para a revisão da Lei do arrendamento, duas ideias saltam à vista: a possibilidade de requisitar casas devolutas e a subsidiação de rendas para os inquilinos mais velhos. É sobretudo através destes dois pilares que o Governo espera travar a onda de despejos e especulação imobiliária que se abateu sobre Lisboa e Porto.
Comecemos pela subsidiação de rendas. O Governo promete contratos de arrendamento vitalícios para pessoas com mais de 65 anos. Quem não puder pagar renda, paga a respetiva Câmara a preços de mercado. Sobre isto, duas notas:
Em primeiro lugar, esta possibilidade já está prevista no atual regime de arrendamento, simplesmente nunca foi cumprida. Em vez disso, prolongou-se o congelamento das rendas quando Portugal pediu um resgate financeiro para que o Estado não assumisse mais despesa. Perante isto, que confiança podem os proprietários ter na Lei? Num altura em que o “interesse nacional” ou “público” é usado com leviandade, quando vier a próxima crise e tivermos de cortar despesa como sempre, o que acham que vai acontecer aos “subsídios aos proprietários”?
Em segundo lugar, são preocupantes as generalizações a que temos assistido sobre este assunto. Naturalmente que é imoral desalojar reformados com pensões mínimas das casas onde viveram uma vida inteira. Mas as leis não se devem fazer para resolver os casos particulares. As leis fazem-se com o intuito de procurar uma igualdade de tratamento para todos os cidadãos. No entanto, os despejos de idosos e pessoas sem rendimentos não podem inspirar todo um regime de arrendamento, como é o caso. Por vários motivos.
Quantas famílias estão a usar indevidamente as rendas controladas? Como é o caso dos filhos que ocuparam as casas dos pais e “herdaram” pela porta do cavalo essas rendas, enquanto os pais foram viver a reforma para a casa de férias. Ora, foi pelo facto do mercado de arrendamento se ter tornado um bom negócio para os proprietários que o investimento privado nacional e estrangeiro descolou. Por causa dele, a reabilitação urbana substituiu a nova construção e Lisboa e Porto são hoje cidades que realmente competem por turismo, mobilizando todo um conjunto de atividades económicas associadas. Foi também porque arrendar casas se tornou um bom negócio que o turismo pôde crescer e diversificar-se. Finalmente, foi por causa do turismo, que agora está na moda repudiar, que a taxa de desemprego está em mínimos de 20 anos. Vamos mesmo ignorar isto?
Quanto à requisição de casas devolutas, só de ouvir a palavra “requisição” recordamos um dos piores momentos da história de Portugal, o PREC. Sob o mote do interesse nacional destruiu-se a economia. Hoje somos mais civilizados e Helena Roseta quer “pagar” à cabeça a indemnização aos proprietários de casas devolutas. Em que termos? Quanto? Como será financiada esta requisição pública de imóveis? Ninguém sabe. Mas normalmente há uma resposta: aumento de impostos. Portanto, quem hoje se indigna com os despejos e aplaudiu um projeto de lei que promete resolver administrativamente um problema que é essencialmente de mercado, é bom que esteja preparado para abrir os cordões à bolsa, em nome do interesse nacional.