“O arroz doce está pronto, todos para a mesa.” Eram estas as palavras que nos faziam correr para escolher o prato maior. Na verdade, os pratos eram todos iguais, mas para quem tem apenas alguns anos de vida, chegar primeiro e poder escolher o prato dava direito a afirmar que o nosso era maior do que o outro.

O arroz doce da avó Maria fazia-nos subir nos andares da felicidade sempre que colocávamos a colher na boca. Um doce aprimorado durante anos pelas mãos, pelo olfato, pelo paladar, mas acima de tudo pelo carinho que ela colocava em tudo que fazia em prol dos netos. Uma receita simples para um doce simples, mas cujo resultado dependia muito de quem o fazia: a avó Maria.

Com a nostalgia a assaltar-me o pensamento enquanto lia as novas medidas do Simplex+ para 2018, mais concretamente as medidas com impacto fiscal, questionei-me: será que as coisas simples são simples de fazer? Se a fiscalidade nem sempre é preta ou branca, mas muitas vezes cinzenta, como será possível tornar essas medidas fiscais simples? Na verdade, é preciso que haja vontade quer dos cidadãos quer do estado, pois as medidas Simplex+ têm que reverter a favor dos utilizadores e, por inerência, a favor do Estado.

O Simplex+ tem como propósito tornar o contacto com a estrutura burocrática do Estado mais simples, mas será que colocar as medidas em prática é simples? Tal como acontecia com o arroz doce da avó Maria, tudo depende da forma como se faz.

O menu Simplex+ traz realmente boas receitas, como as faturas sem papel – que desde já congratulo –, com um prazo de implementação para 2019 e que consiste na regulamentação sobre a possibilidade de dispensa da impressão de faturas que poderá ser substituída por um QR Code. O QR Code é um código de barras bidimensional que pode ser convertido em texto, em endereço URL, num número de telefone, numa localização georreferenciada, num email, num contacto ou numa SMS.

A ideia de substituir faturas em papel por faturas representadas por um QR Code é, por si, um exemplo de como obter ganhos efetivos para todas as partes envolvidas, começando desde logo pela proteção de dados pessoais e eventual poupança em papel. Da parte do Estado será possível aumentar a receita fiscal, evitando a evasão fiscal que representa a não comunicação da totalidade das faturas e correspondentes montantes de IVA. Mas esta digitalização envolve, para além do Estado e dos contribuintes, a indústria de software que terá que se adaptar à nova realidade.

Seria importante uma maior e mais atempada colaboração entre o Estado e esta indústria responsável pela geração e arquivo de grande parte da informação de faturação, contabilística e fiscal que é recolhida, a posteriori, pelo Estado. Este eixo constituído pelo Estado, indústria de software e contribuintes não pode ser descurado sob pena de as medidas, por mais simples e bem-intencionadas que sejam, não verem a luz do dia. Não basta uma receita simples, é preciso eficácia a concretizá-la. Até o arroz doce da avó Maria era melhor quando feito nas panelas dela e com o arroz que ela preferia, como ela sempre dizia: “É do Português!”.

Para que o Simplex+ seja um sucesso, basta seguir a receita anterior, que já provou ser muito eficaz e resultou precisamente dessa colaboração tripartida. Um desses exemplos é a Plataforma de Serviços de Interoperabilidade da Segurança Social que permite a comunicação direta e segura de dados e informações entre sistemas informáticos, de forma transparente e simplificada.

No contexto das medidas Simplex+ fiscais existem outras medidas pendentes de implementação com impacto na economia, que foram anunciadas em 2017 e têm data de implementação em 2018. Posso ainda destacar o IVA Automático, onde se pretende introduzir o pré-preenchimento nas Declarações Periódicas do IVA liquidado pelas microentidades. E ainda a medida dos Arquivos Mais Simples que se pretende que crie as condições necessárias para que os arquivos contabilísticos das empresas em suporte papel possam ser substituídos por arquivo em suporte eletrónico, devidamente certificado.

Espera-nos, por tudo isto, um trabalho de adaptação dos sistemas informáticos utilizados pelos contribuintes para o cumprimento das obrigações fiscais, mesmo que na sua essência passem a ser mais simples. Se o eixo do Estado, indústria de software e contribuintes for exponenciado com base na preparação, colaboração e execução, as medidas serão verdadeiramente simples de implementar e simples de utilizar.

Muito provavelmente não conseguiremos chegar ao ponto e qualidade do arroz doce da avó Maria, mas é certo que se a colaboração for estreita, os netos (contribuintes) saem a ganhar com medidas verdadeiramente simples. E nós sabemos que se os netos estão bem é um princípio para tudo estar bem melhor.