Ao lado do secretário-geral da NATO, Mark Rutte, o primeiro-ministro Luís Montenegro anunciou esta semana que o Governo português está a estudar como antecipar “ainda mais” o calendário que prevê que o país atinja em 2029 um investimento de 2% do produto interno bruto (PIB) no sector da Defesa.

Mark Rutte registou esta promessa do esforço português para se capacitar neste setor que a Guerra na Ucrânia – e a recente eleição e tomada de posse de Donald Trump… – vieram colocar na agenda dos países europeus. Mas o secretário-geral da NATO aproveitou logo para acrescentar que a meta dos 2% “tem muitos anos” e, por isso, ela hoje já é “insuficiente”.

Isto significa que Portugal, tal como os demais países da União Europeia, vão ter mesmo de aumentar de forma muito expressiva o seu esforço com a Defesa, única forma de o continente não ficar refém de colossos militares (e totalitários) como a Rússia, numa altura em que o seu protetor habitual, os Estados Unidos da América, ameaçam retirar-se da NATO e das bases europeias e deixar os europeus entregues à sua sorte.

Sendo este aumento de despesa uma inevitabilidade – uma vez que a alternativa é ver a Ucrânia esmagada nos próximos anos e territórios da União Europeia invadidos pelos exércitos de Vladimir Putin – a questão que se coloca é outra: como é que esse enorme montante de dinheiro vai ser aplicado? Vai ser gasto essencialmente em fardamentos e em compras à indústria militar norte-americana? Ou, pelo contrário, vai ser investido no desenvolvimento de uma indústria europeia de tecnologias para uso militar?

Perguntado de outra forma: este afluxo de dinheiro nos próximos anos – que, no caso português, significará em termos práticos duplicar a despesa atual, como o secretário-geral da NATO lembrou em Lisboa – vai financiar o desenvolvimento tecnológico europeu, promovendo a ciência e a inovação?

Vale a pena a este propósito recordar que, em 25 de outubro passado, o Exército Português assinalou na cidade da Guarda o seu dia nacional, tendo como tema “A Defesa como um Mundo de Oportunidades para a Indústria”​. A escolha do tema não podia ter sido mais pertinente, uma vez que o relatório de Mario Draghi sobre “O Futuro da Competitividade Europeia” veio colocar a Defesa no centro do processo económico da União Europeia. Ora, Portugal não deve ser exceção, sobretudo agora que o Governo português se comprometeu com a NATO em acelerar o aumento dos seus gastos em Defesa.

O Relatório Draghi é sobre “competitividade” e, na linha do Livro Branco sobre investimentos no exterior apresentado pela Comissão Europeia em janeiro de 2024, coloca a segurança da Europa como um elemento-chave para essa mesma competitividade. Como a invasão da Ucrânia em 2022 e o ataque de 7 de outubro em 2023 do Hamas a Israel vieram lembrar, a Europa é muito vulnerável a problemas com os seus fornecedores externos de matérias-primas e de tecnologias críticas.

O que é novo no relatório de Mario Draghi é a declaração de que o aumento dos gastos em Defesa é uma alavanca imprescindível para “colmatar o défice de inovação na Europa”. É ao declarar que “a lacuna tecnológica ameaça a competitividade do continente europeu num futuro onde a inovação será cada vez mais decisiva para o sucesso económico” que o Relatório Draghi liga o investimento nas Forças Armadas ao ensino superior e à indústria.

Como os Estados Unidos bem sabem, a pesquisa científica ligada à Defesa é o investimento público que mais tecnologia disruptiva produz! As empresas europeias investem atualmente menos 270 mil milhões de euros (o equivalente ao PIB de Portugal) em Investigação & Desenvolvimento por ano do que as suas concorrentes americanas, em boa parte porque não têm as encomendas da indústria de Defesa de que estas beneficiam nos Estados Unidos. Este subdesenvolvimento do setor tecnológico europeu tem a sua correspondência, infelizmente, no setor académico e científico: também as universidades e politécnicos europeus ficam abaixo das suas congéneres americanas nos rankings internacionais.

Neste contexto, uma reorientação da indústria portuguesa para as tecnologias de Defesa, tal como as apostas do ensino superior nacional em desenvolver investigação aplicada para tecnologias militares e em formar quadros para elas, vão ser chaves seguras para incluir o tecido industrial português nas “megatendências” da atualidade. Estas megatendências são processos de transformação de longa duração e de grande impacto económico, social e ambiental, como a transformação digital, a transição energética ou a reindustrialização.

A reconversão do tecido industrial português para uma atividade com tanto valor acrescentado como as tecnologias de Defesa, deve passar por um reforço da ligação do Ensino Superior às empresas, promovendo a empregabilidade, a atração e a fixação de pessoas, a qualificação da mão de obra e a possibilidade de produzir tecnologia de ponta para clientes de elevada exigência. Se a interação do Ensino Superior com as empresas incluir projetos encomendados pelas Forças Armadas portuguesas com alta exigência tecnológica de inovação, a geração de competências, de produtividade e de valor serão muito relevantes. É preciso, por isso, que cada vez mais investigação académica se oriente para as ciências da Defesa, única forma de os grupos industriais em Portugal adquirirem essa vocação e se tornarem inovadores nesta área.

Instituições de ensino Superior como o Instituto Politécnico da Guarda – IPG têm demonstrado capacidade para, nos territórios do Interior, se tornarem alavancas de um desenvolvimento baseado no conhecimento e nas qualificações, onde a inovação ocupa um lugar central no processo de criação de riqueza. Foi com este objetivo que o IPG integrou em 2023 a UNITA – Rede de Universidades Europeias, uma aliança que une instituições de ensino superior de Espanha, França, Itália, Roménia e Portugal que têm em comum a localização em zonas transfronteiriças e de montanha.

A aposta nas tecnologias de Defesa pode, e deve, ser um passo importante neste caminho.

Para concluir, é necessário voltar à conferência de imprensa que Luís Montenegro e o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, deram na segunda-feira em Lisboa. O primeiro-ministro informou que existe uma task-force a trabalhar no modelo de antecipação do investimento em Defesa entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério da Defesa, o Ministério da Economia e o Ministério das Finanças.

Há aqui, porém, uma falha gritante… para não dizer um grande erro! É imprescindível incluir nesta task-force o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, do ministro Fernando Alexandre, que é quem neste momento tutela o ensino superior. Sem o ensino superior, a ciência e a inovação, o aumento da despesa em Defesa será, somente, isso mesmo: despesa.

Mas se incluir o sistema científico nacional, os politécnicos e as universidades, então poderá ser o mais relevante, e o mais estratégico, investimento no desenvolvimento do país que está ao alcance deste Governo. Esperemos que Luís Montenegro seja sensível à oportunidade de salto tecnológico que as indústrias de Defesa representam para Portugal, desde que o ensino superior – designadamente as instituições sediadas no Interior – seja incluído nos investimentos que o país prometeu fazer ao secretário-geral da NATO.