Há presenças que se fazem sentir através da sua ausência. Parece paradoxal, mas afinal não é. Nas relações internacionais, muitas vezes, a manobra discreta de bastidores é mais importante que a encenação oferecida ao público. Num momento em que as relações bilaterais ganham protagonismo, a Cimeira de Singapura, que colocou frente a frente Donald Trump e Kim Jong-Un, ganhou grande protagonismo mediático. As razões são fáceis de adivinhar: uma reunião sem precedentes entre os presidentes dos dois países, um encontro improvável depois dos insultos trocados entre os dois líderes políticos e o encontro de duas personalidades políticas imprevisíveis que em comum têm o culto da personalidade.
Naturalmente, que todo o foco da política internacional ficou centrado neste encontro que, em prol da paz mundial, legou ao esquecimento todos os outros conflitos a decorrer, como, por exemplo, a guerra na Síria, a guerra no Iémen, os ataques de bandos armados no norte de Moçambique, os ataques terroristas diários no Afeganistão ou no Iraque. Portanto os estados de guerra latentes ou declarados noutras partes do mundo apagam-se mediante a possibilidade de evitar um eventual confronto nuclear na Península coreana. Não se estranhando sequer que um dos presidentes que anuncia esta iniciativa como uma forma de proceder ao desarmamento nuclear, é o mesmo que rasgou o compromisso com o Irão para o mesmo fim.
Mas porque vale a pena ainda se falar desta Cimeira, tanto tempo e tanta conversa depois? Talvez sim, porque existem presenças invisíveis que parecem ter escapado ao olhar mediático. Refiro-me à China esse protagonista ausente, mas sempre participante nesta cimeira. Enquanto se colhiam as reações do Japão e da Coreia do Sul a este encontro, parece que a China foi sendo esquecida, apesar das declarações transmitidas oficialmente. No entanto, de todos os estados, para além dos Estados Unidos e da Coreia do Norte foi o mais presente e por várias razões. Assumiu o transporte do líder norte-coreano até Singapura, foi claro que manteve reuniões preparatórias com Kim-Jong-Un e é certo que estará presente nos próximos passos para concretização do vago acordo concertado entre os dois líderes.
Se a Cimeira teve como resultado uma declaração de boas intensões nos meios internacionais, no contexto nacional dos intervenientes permitiu que os respetivos líderes regressassem mais reforçados e com a possibilidade da construção de discursos nacionalistas e populistas ainda mais fortes. Internacionalmente, colocou em campo três países: a China, a Coreia do Sul e o Japão que terão a árdua tarefa de negociar os pontos mais conflituais do acordo, como os passos do desarmamento nuclear e os apoios a estas operações. Parece que todos saem a ganhar desta Cimeira e é verdade que sim. Mas o maior vencedor é a China que consegue paz e estabilidade em seu redor e a manutenção e alargamento de uma aliança histórica com a Coreia do Norte. Em simultâneo, recoloca este seu aliado nas dinâmicas da política internacional, de onde estivera afastado nas últimas décadas. A sua discrição e trabalho de bastidores, afinal, valeu muito a pena.