A ideia do Presidente da República (PR) era boa: passar o ano novo com os portugueses, cerca de 450, que vivem no ponto mais remoto do país – a ilha do Corvo, nos Açores. No entanto, alguma coisa correu mal. Segundo a imprensa, estiveram lá menos de 100 pessoas. Um deputado regional do CDS conseguiu mesmo reduzir a assistência ao jantar a cerca de 60 residentes.

A conclusão é inevitável: foram poucos os portugueses do Corvo, menos de 20% da população, a relevarem a passagem de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) pela ilha. Não me parece normal, dado o índice de popularidade do atual PR, que tal tivesse acontecido. O tempo, agreste, típico da época, não explica tudo.

Oito anos depois da visita do anterior presidente, Cavaco Silva, então em périplo geral e oficial por várias ilhas, natural seria que os habitantes do Corvo tivessem querido aproveitar a oportunidade para o convívio informal com o Chefe de Estado, à mesa do réveillon. E não quiseram. Mesmo descontando quase de certeza algum voluntarismo na preparação da viagem, que deveria ser mobilizadora e profissional, até pelo simbolismo da ocasião, o caso é estranho.

A comunicação social passou mais ou menos ao de leve sobre o assunto.

O tal dirigente do CDS veio dizer que tal se ficou a dever à excessiva colagem do governo regional do PS à iniciativa do PR, o que terá aprisionado partidariamente o ato. Na verdade, quem apareceu a abrir as garrafas de espumante de Marcelo Rebelo Sousa foi Vasco Cordeiro, presidente do governo regional. E Carlos César, ‘patriarca’ local e agora presidente do PS nacional, produziu, desde Ponta Delgada, os comentários, de grande sintonia, entre (o programa de) governo e (o discurso do) Presidente.

O Corvo tornou-se, assim, emblemático do comportamento do país neste momento. Portugal está sem alternativa ao poder do PS. Bem pode o Presidente falar, repetidamente, da necessidade de uma oposição forte, que traga alternativa. Isso não existe, de facto. E se ele próprio não for exigente nas palavras e na ação, o mais natural é que a falta de escrutínio se instale, por falta de interesse dos cidadãos.

Uma eventual recandidatura de MRS em Belém apoiada por quase todos os quadrantes, numa espécie de unidade nacional, dá-nos a ideia exata do perigo político que corremos, o da mexicanização da vida política portuguesa.

A principal responsabilidade deste estado de coisas, reconheço, é da oposição de direita, neste momento ainda a lamber as feridas da ideia que ficou do que foi o tempo de Passos e Portas. Os resultados das eleições e as disputas internas no PSD e CDS têm origem numa determinada ‘narrativa’ que fez caminho e até conseguiu fazer esquecer a muita gente quem foi o primeiro-ministro pedinte da ajuda da troika, José Sócrates. Mas, por outro lado, é admirável como José Sócrates se consumiu sozinho sem arrastar o partido na sua queda. A ideologia, associada à formação da geringonça, foi de grande utilidade para o PS. Mérito político de António Costa.

É por tudo isso que chegamos aqui, ao Corvo, com um país anestesiado entre duas agendas, a do Governo e a do Presidente, que parecem decalcadas. Se não for introduzida rapidamente alguma novidade, Portugal seguirá por esse mau caminho de uma unidade nacional no pior dos sentidos, porque se alimenta da falta de ideias e da falta de projetos alternativos, o sal de qualquer Democracia.

Obrigado ao Corvo, e aos seus habitantes, pelo aviso. A todos nós, e ao Presidente.