Paulo Macedo, o burocrata de carreira escolhido por Manuela Ferreira Leite para tornar a Autoridade Tributária na máquina fora-da-lei que hoje conhecemos antes de ser ministro da Saúde e símbolo do falso reformismo do governo PSD/CDS e que o “Governo da iniciativa do PS” escolheu agora para presidir aos incertos destinos da Caixa Geral de Depósitos, veio há dias comentar a situação do banco detido pelo Estado. Segundo os relatos, terá dito que se os portugueses querem um “banco público” poderão ter que estar dispostos a “meter mais dinheiro” nele “se a CGD não der lucro”. “E”, acrescentou, “tenho uma ideia de qual será a resposta”. Como Macedo, também tenho uma ideia de qual será a resposta. Infelizmente, essa não será “não queremos um banco público”.

Desde a sua fundação que os mais variados grupos políticos que conseguiram tomar de assalto o poder político – dos “liberais” da Monarquia Constitucional aos “socialistas” e “sociais-democratas” da nossa democracia, passando pelos “democratas” terroristas da República e pelos adeptos do “viver habitualmente”, “modernizadores” ou simples oportunistas do salazarismo e do marcellismo – usaram “a Caixa” para três fins: dar empregos às hordas de dependentes, usar o dinheiro dos portugueses que tivessem a imprudência ou a obrigação de lá o depositar para financiar a dívida pública, e canalizar fundos para os “projectos” considerados “fundamentais” para o país e acima de tudo, para os “amigos”.

Sob a capa da defesa do “interesse público” em detrimento dos “egoísmos” privados, o Estado sempre usou (e usará) a CGD para substituir o mercado da livre iniciativa e concorrência dos indivíduos e dos grupos que estes formam pelo “mercado” da influência política, em que triunfam os “egoísmos” dos privados que tenham acesso privilegiado aos corredores do poder, seja porque pertencem ao partido que o detém seja porque pertencem a um “negócio” que tem algo para oferecer ao Governo do momento (por isso nenhum deles – nem mesmo os que disso falaram – alguma vez privatizou ou privatizará a Caixa).

Como seria de esperar, o carácter duvidoso do uso da CGD pelo Estado atingiu o seu auge na governação do ex-primeiro-ministro sob investigação por corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais José Sócrates: sob o seu comando, o “banco público” serviu para dar emprego ao seu amigo (condenado por corrupção) Armando Vara, para financiar as mais problemáticas empresas do Grupo Espírito Santo – e assim o esquema fraudulento que a família usou para se agarrar ao seu poder – em troca sabe-se lá do quê, para manter a PT nas mãos de quem estava receptivo a colaborar com o “socratismo” (o BES, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, etc), para tomar de assalto o BCP e assim ter mais um banco dócil o suficiente para emprestar dinheiro a fundo perdido a um Estado português que cada vez mais se endividava para comprar votos no “animal feroz”, ou para financiar “projectos” destinados à falência mas aos quais estavam associados nomes bem conhecidos da Operação Marquês.

Este é o resultado inevitável da existência de um “banco público”: como é o Estado quem manda, quem consegue ligar para os telemóveis ministeriais sai sempre beneficiado, e como o tráfico de influência é o mecanismo pelo qual as decisões se tomam, elas serão sempre obscuras, e bastas vezes criminosas. Mas, para desagrado dos que, como eu, defendem a privatização da CGD, o fim do banco do Estado não acabaria com a corrupção: em Portugal, a corrupção é o sistema em que tudo funciona. Mesmo sem um banco detido pelo poder político, este não teria dificuldade (como já hoje não tem) em encontrar um qualquer BES disposto a “ajudar” no que fosse preciso.

Num país pobre e pequeno o suficiente para que os que estão no poder – na política e nos negócios – se conheçam todos uns aos outros, o Estado terá sempre uma mão mais ou menos visível em tudo, e quem a tiver a coçar as suas costas agradecerá, sabendo que ela a protege da concorrência e que é mais fácil agradar a um Primeiro-Ministro do que a potenciais clientes. Por muito que o defenda, sei que a privatização da CGD nada resolveria. Como parece acontecer com qualquer problema que afecte o país, a única solução que resta aos portugueses é fugir e não olhar para trás.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.