Enquanto escrevo esta crónica decorre ainda em Sintra o Fórum do Banco Central Europeu, um discreto encontro de três dias que reuniu esta semana os governadores dos bancos centrais, economistas e especialistas monetários. Na comunicação social os termos variam, mas o espírito é o mesmo para classificar o que está em causa: “O fim da era Draghi”, “a despedida de Draghi”, “o último show de Draghi”. A ele pertenceram os discursos de abertura e de encerramento do Fórum, cujo tema geral são os 20 anos da União Monetária Europeia mas que inclui também dois painéis determinantes para um debate sobre o futuro desta mesma União; o das questões demográficas cuja “implosão” tanto ameaça o crescimento dos países da zona euro.

Sobre isso mesmo falará Duarte Nuno Leite, que, com Ricardo Reis da London School of Economics, constitui a dupla de oradores portugueses integrada no programa do Fórum. Nuno Leite é investigador do Instituto Max Planck para a Política Social e um dos três autores do estudo “Mudanças demográficas, migração e crescimento económico na Zona Euro”.  O estudo aponta para  um cenário em que Portugal poderá ser dos países mais afetados pelo envelhecimento, dado que em si não é novo mas que mais uma vez salienta a necessidade premente de uma mudança, não apenas de políticas, mas de estilos de vida por parte dos portugueses.

A denominação do cargo universitário de Duarte Nuno Leite é aliás interessantíssima. Ele é “Head of the Life-Cycle Decisions unit” no Munich Center for the Economics of Aging (MEA) pertencente ao Instituto Max Planck. E dentro deste conceito das “decisões para os ciclos de vida” estuda o impacto da demografia na conceção dos sistemas de pensões, na desigualdade salarial, no crescimento económico e, claro, também na política monetária.

Em fevereiro do ano passado, Michel Godet, economista e membro do conselho científico da Fundação Robert Schuman, afirmava em entrevista a um jornal nacional que a demografia não estava no centro da discussão europeia. “Foi abordado nas cimeiras europeias em 2004, mas a crise pôs os assuntos económicos de curto prazo à frente dos temas demográficos de longo prazo. Fala-se de energia e de tecnologia, mas não de demografia”, afirmou.

Agora, ao mesmo tempo que os seus intervenientes se despedem de Mario Draghi, o Fórum do BCE parece decidido a levar o tema da implosão demográfica bastante a sério e ter percebido já a correlação entre o fenómeno e a coesão monetária e social da União Europeia, tendo em conta os fluxos migratórios decorrentes. Que o Fórum escolha como cenário o nosso país, apontado como o quinto mais envelhecido do mundo e o oitavo com menor índice de fecundidade à escala global, apenas reforça essa mesma preocupação.

Como político, tenho ao longo dos últimos anos defendido a existência de medidas que contribuam eficazmente para a inversão da tendência demográfica e que captem o envolvimento das famílias e das empresas. A solução deve ser obrigatoriamente transversal e não sectorial, desenvolvida em conjunto com a sociedade civil e não centralizante nem centralizadora. Deve, em suma, ter em conta os ciclos das decisões de vida. Só assim teremos futuro.

 

Na passada segunda-feira cumpriu-se mais um ano sobre a tragédia dos incêndios de Pedrógão. Continuam as queixas de quem se sente abandonado pelo Governo e pelas instituições. Sentimento de abandono esse ampliado pela desertificação e o esquecimento de quem vive longe dos centros de decisão. É obrigatório que, para além de memoriais em pedra para as gerações futuras, saibamos no presente estancar a dor daquelas famílias que ainda aguardam que se lembrem delas.