Eram dez horas da manhã de segunda-feira. Entrava na Escola Secundária Quinta das Palmeiras, na Covilhã, para mais uma sessão da “Academia de Leitura do Mundo: O jornalismo a comunicação e eu”, projeto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, gerido pelo Instituto Politécnico de Lisboa, com a parceria da unidade de investigação LabCom – Comunicação e Artes, da Universidade da Beira Interior.

O tema era violência no namoro, precisamente no dia seguinte ao programa de domingo com maior audiência em Portugal, o Big Brother Famosos. Tinha-o visto após ter lido diversas referências a um caso de relação abusiva, surgido neste programa televisivo e amplamente partilhado nas redes sociais, e que motivou a apresentação de uma queixa-denúncia ao Ministério Público pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG).

A este caso, que passou a configurar uma clara relação abusiva, enfim, violenta, o canal responsável pela emissão do programa onde o caso ocorreu publicamente, a TVI, não só entendeu nada fazer (pelo menos, nada do conhecimento público) como deu provimento à mais clássica justificação das ações dos agressores sobre as vítimas – “é o amor” –, além de condicionar vozes contrárias à postura da direção do canal e da apresentadora – também ela acionista da empresa de média.

A sessão com a turma do 12ºB foi intensa e concluiu que: 1) esta relação mediatizada configura violência e assenta em toxicidade emotiva; 2) a postura do canal e da apresentadora – de aparente imparcialidade – representa a normalização de relações violentas e mediáticas e, pior, a romantização de ações abusivas de um homem sobre uma mulher; 3) atitudes destas podem levar a que mulheres que se sintam oprimidas em relações abusivas percam a coragem de pedir ajuda/socorro.

Este conjunto de pessoas de 17 e 18 anos de idade teriam dado – elas, sim – uma autêntica lição de bom senso, educação, sensibilidade e ação anti violência aos protagonistas deste canal que privilegiou o lucro que aquela história sórdida e hedionda (com muita audiência na TV e nas redes sociais digitais) trouxe, e descurou – nada fazendo para o impedir ou sequer sinalizar – a proteção da vítima de uma relação claramente abusiva.

Mais ainda, o que vimos naquele programa de domingo último foi a exposição e aproveitamento de uma mulher fragilizada que nem consciência da sua condição de vítima tinha.

Combater atos, gestos, atitudes e comportamentos abusivos e violentos é, também, a função dos média. Anuir, sublimar e fingir que nada está a acontecer é perpetuar o flagelo que continua a ser a violência sobre a mulher, normalizando o abuso, a agressão e os vários tipos de violência. Tudo o que a justificação oca e perigosa “acredito no amor acima de tudo” proclamada pela apresentadora no final do programa consegue é romancear a violência.

Portanto, para a TVI e demais responsáveis pelo programa de entretenimento Big Brother em Portugal, aqui ficam alguns reparos para memória futura: 1) amor só existe em liberdade; 2) amor não acolhe qualquer género de violência; 3) os média, a TVI e o programa em causa não são alheios ao dever de serviço público; 4) as audiências e o lucro não podem justificar a exploração e normalização da violência; 5) caso o canal não se retrate, cedo ou tarde, a reputação da TVI – e dos seus acionistas – cairá irremediavelmente.

A geração que está a entrar agora na idade adulta – raparigas e rapazes politicamente ativas/os – deixou essa mensagem muito explicitamente. Oiçam-nas/os. Terão um melhor canal e mais respeito pelas e das pessoas que estão em situação de fragilidade.